LUANA CIECELSKI
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O Laboratório de Anatomia Humana da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) em parceria com os alunos do Curso de Medicina da instituição lançou e está divulgando nas últimas semanas uma Campanha de Doação de Corpos. A ideia surgiu da necessidade. O curso possui atualmente 23 corpos, porém, apenas 17 estão disponíveis para os cerca 400 alunos por semestre que necessitam deles para o estudo da estrutura do corpo humano. Para dificultar, nos últimos anos, o recebimento tem sido cada vez mais espaçado e o manuseio constante faz com as peças percam suas características deixando de serem úteis para o estudo.
Há alguns anos o Departamento Médico Legal (DML) de Santa Cruz do Sul costumava fazer doações eventuais de corpos de pessoas que morriam e não tinham família ou essa família não reclamava o corpo dentro de um determinado período de tempo, nem mesmo com as publicações oficiais que eram feitas. Com o surgimento de mídias sociais como WhatsApp e Facebook, porém, a divulgação de informações sobre o falecimento de pessoas, e o contato com familiares ficou mais rápido e mas próximo e, portanto, dificilmente um corpo não é encaminhado para alguém. Isso é bom para as famílias, claro. Porém, os laboratórios de Anatomia como o da Unisc, ficaram sem qualquer doação. E os estudantes sem uma importante ferramenta de estudo.
No caso da Unisc, de acordo com o assistente de laboratório, Fernando Vieira, o tempo sem doações chegou a oito anos, quando o ideal seria o recebimento de uma média de dois corpos por mês. Por isso, a saída encontrada para sanar essa deficiência na formação dos profissionais de saúde foi a da campanha. Ela é semelhante a das campanhas de doações de órgãos, ou seja, a de conscientizar as pessoas de que elas podem fazer algo de bom mesmo depois de seu falecimento, e a de conscientizar as famílias de que a doação é importante para o desenvolvimento da ciência, para que os futuros médicos possam se qualificar.
COMO FUNCIONA
Para se tornar um doador há duas formas. Uma delas é por meio de um cadastro junto ao Laboratório de Anatomia. Qualquer pessoa com mais de 18 anos que deseje doar seu corpo deverá preencher a documentação necessária disponível no site da campanha (www.unisc.br/site/pdc), e procurar o Laboratório de Anatomia Humana da Universidade. Esse ato, porém, de nada valerá se não houver a conscientização da família, porque ela é que deverá fazer contato com o Laboratório pelo fone 3717-7610 ou 3717-7642 ou ainda 3717-7300, depois do falecimento do interessado e após ter a certidão de óbito em mãos. Outra forma de doação é aquela que parte da própria família depois do falecimento.
É importante ressaltar que as cerimônias fúnebres habituais podem ser realizadas normalmente pela família, previamente ao translado do corpo e que a doação não tem nenhum custo nem para o doador, nem para a família dele. Além disso, mesmo depois de preenchido o cadastro e entregue no laboratório, é possível desistir da doação a qualquer momento. É conveniente, porém, que a instituição seja informada dessa decisão.
O espectro de abrangência deste Programa de Doação de Corpos da UNISC inclui a cidade de Santa Cruz do Sul e Municípios do Vale do Rio Pardo e Taquari que distam até 150 quilômetros de Santa Cruz do Sul e as únicas restrições para o recebimento de corpos são a morte violenta ou por doença contagiosa. Chegando na universidade, o corpo será submetido a processos específicos de fixação e conservação até sua utilização – com formol ou glicerina. O corpo também fica sob responsabilidade legal do Laboratório de Anatomia Humana da Unisc, que tomará todas as providências para o armazenamento adequado e o destino final, após a utilização, conforme legislação aponta.
O QUE DIZ A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA?
O Código Civil brasileiro autoriza a doação voluntária do próprio corpo em vida de acordo com o Artigo 14 da Lei 10.406/2002 que dispõe que “é válida, com objetivo científico, ou altruístico, a disposição gratuita do próprio corpo, no todo ou em parte para depois da morte. O ato de disposição pode ser livremente revogado a qualquer tempo”. Ainda, a Lei 8.501/92, em seu Artigo 2º, regulamenta o recebimento de corpos não reclamados: “o cadáver não reclamado junto às autoridades públicas, no prazo de trinta dias, poderá ser destinado às escolas de medicina, para fins de ensino e de pesquisa de caráter científico”.
OS CORPOS DOADOS TERÃO COMO FINALIDADE:
Colaborar para a formação humanista dos acadêmicos, pelo conhecimento em todas as dimensões (científica, espiritual, ética, de respeito humano) da representatividade e valor do ser humano;
Proporcionar a disponibilização de acervo para o laboratório de anatomia humana para possibilitar uma qualificação às aulas práticas;
Possibilitar o estudo e o conhecimento das estruturas anatômicas no modelo representativo mais fiel que o profissional após a sua graduação irá trabalhar – o modelo humano – com as características padronizadas e as variações anatômicas existentes nos indivíduos;
Permitir a substituição dos modelos animais vivos por corpos, no desenvolvimento de novas técnicas cirúrgicas que possam ser mais eficientes e menos invasivas, e portanto com melhor índice de cura das enfermidades;
Contribuir pela aquisição de conhecimentos qualificados, aliado ao desenvolvimento de pesquisas científicas;
Despertar nos estudantes, através da excelência do material do acervo do laboratório de anatomia, o estímulo à docência na saúde, em especial na anatomia humana;
Proporcionar aos estudantes do ensino médio, que rotineiramente realizam visitas orientadas, a satisfação da curiosidade científica através de um acervo qualificado.
O QUE É A ANATOMIA?
A anatomia é a ciência que estuda a estrutura do corpo. Por muito tempo, o conhecimento anatômico se baseava apenas no estudo dos animais, entretanto, o real entendimento da estrutura e do funcionamento do corpo humano só foi possível após a introdução do estudo em corpos humanos, quando se compreendeu a circulação sanguínea, a disposição dos diversos órgãos e a possibilidade de desenvolver operações para o tratamento de diversas doenças. Por todos estes motivos, a ciência anatômica é considerada básica para os profissionais da área da saúde. Em outras palavras, esta disciplina é fundamental para a formação destes profissionais.