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Zé Montenegro: uma lenda da bateria no Brasil

Viviane Scherer Fetzer
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Zé Montenegro ministrou oficinas na Batera

Em uma conversa descontraída e recheada de muitas risadas, Zé Montenegro, contou um pouco sobre o início de sua vida como baterista e músico, sobre sua carreira na Força Aérea e sobre suas percepções de mundo a partir do que já vivenciou. O músico de 52 anos e 40 de bateria ressalta que acredita muito na espiritualidade e que veio nesta vida com o mesmo propósito de seu pai, Argus Montenegro, e demais bateristas, que é tocar e sobreviver com isso. “Eu nasci numa família de um pai que é um grande músico e eu vim nessa família pra também trazer comigo um pouco desse sofrimento que é ser músico. Não é só felicidade. Aliás, a música tem dois lados pra mim, o sofrimento e a felicidade. Eu tenho uma relação com a bateria de medo e amor”.

Foi aí que Zé lembrou a infância e o início de sua vida como baterista. Ao fingir que brincava de carrinho ele observava o pai ensaiando em sua imponente bateria. Ninguém explicou para Zé o que seu pai fazia e o que era aquele instrumento que fazia um barulho legal. Ele esperava que seu pai saísse e tomava o lugar dele, calçava os tênis e colocava a camisa do pai, para tentar imitar todo o ritual. Passou o tempo e seu pai continuava sem saber. Para uma apresentação da escola em que estudava, Zé acabou levando a bateria na carroça do pai de um colega. Ele foi anunciado para tocar uma Bossa Nova, que até então ninguém fazia ideia do que era. Começou a apresentação e ao levantar os olhos viu seu pai descendo pelo corredor da sala e sentar-se ao lado de sua mãe. Após um breve cochicho, Argus voltou a ficar em pé, foi o que levou Zé a parar o tempo e dizer “eu queria tocar uma música pro meu pai, uma bossa nova, do Samba Trio e, eu queria tocar pro meu pai”. Nervoso, ele começou a música e seu pai depois de instantes foi embora sem dizer sequer uma palavra. A única coisa que soube foi que algumas lágrimas rolaram pelo seu rosto antes de deixar a apresentação. No outro dia foram conversar e foi a partir dele que Zé deixou a infância para se tornar músico. 

Seu pai pediu para que ele colocasse seus brinquedos no porão, já que ele decidiu ser músico. No outro dia começavam seus ensaios com o grande maestro Salvador Campanella. Começou a saga de 7km para chegar até a Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (Ospa), aguentar os colegas, tudo sem material. Chegou a vender pasteis com a ajuda do maestro, pensando inclusive que estava sendo roubado porque uma parte do dinheiro não era entregue a ele. Um mês depois descobriu que Campanella estava fazendo aquilo para comprar os métodos, os cadernos pautados, lápis, canetas, enfim os materiais de que ele precisava e que ainda tinha guardado um valor que daria para a viagem de ônibus até o final do ano. A partir daí sua vida virou música, tudo envolvia música e não tinha mais volta. 

Ele contou que tinha medo de tocar, porque a pressão por ser filho de Argus Montenegro era muito grande. “Meu pai era conhecido em todo o Brasil e já tinha viajado por vários países e eu, por ser filho dele, tinha que tocar bem. Por isso eu digo que não me divirto tocando como deveria”, explicou Zé. Ele comentou que quando está tocando tudo está em câmera lenta e apesar das pessoas ficarem encantadas, ele não está tentando passar nada, muito menos técnica. Hoje, com 40 anos de carreira ele se sente feliz tocando as próprias composições, “porque eu posso errar, fui criado aprendendo que músico não erra porque pode destruir o ouvido alheio, hoje me preocupo em tocar com alma até morrer”, salientou. 

Zé foi militar por 30 anos dentro das Forças Armadas, na Força Aérea. Seu primeiro serviço foi inaugurar uma parada de ônibus. Seu último dia na Força Aérea foi com um show no teatro Bourbon Country, com uma Big Band de 45 músicos, um cenário e um repertório viajando por todo o Brasil criados por ele. “Convenci os caras de que música também era importante dentro da Força Aérea, que não era só avião”, destacou. Ele teve que passar por muitos percalços dentro da aeronáutica para chegar até onde chegou. Um de seus projetos que segue firme até hoje conta com 4 mil crianças dentro da Força Aérea estudando música. Outra contribuição dele foi a Universidade da Força Aérea que surgiu quando ele viu o potencial de alguns colegas lá dentro que sabiam ensinar matemática, química, física, entre outras matérias. Por causa dele, hoje os músicos dentro da Força Aérea conseguem chegar ao cargo de Tenente-Coronel, o que antes não era possível. 

Tudo ficou um pouco mais fácil quando o hoje Tenente Brigadeiro do Ar, Juniti Saito, chegou a Porto Alegre. Ele havia ficado um tempo nos Estados Unidos e conheceu a Big Band do forte (quartel) em Washington. Foi ele quem conversou com Zé e lhe deu a responsabilidade de montar uma Big Band lá. Os dois não imaginavam as dificuldade que Zé, um mero soldado, enfrentaria. Como tinha muito conhecimento ele acabava podendo mandar em seus superiores que não gostavam nem um pouco da ideia. “Ninguém queria participar, antes eles tocavam em um evento, bebiam e iam embora, não precisavam ficar ensaiando por horas”, contou Montenegro. Depois de muito trabalho ele conseguiu montar uma Big Band e escolheu o Dia do Aviador, 23 de outubro, para a primeira apresentação. “Hoje o exército do Brasil inteiro tem Big Band e tocam música popular porque eu fiz isso acontecer, antes eles só tocavam para marchar”, contou. Depois disso quando já pensava em largar a Big Band recebeu propostas para trabalhar e estudar em Londres e em Washington para que não saísse das Forças Armadas, mas não quis deixar a família e preferiu parar com tudo. 

Percepções

Em seus 40 anos como músico, Montenegro tirou uma conclusão em uma conversa com um grande músico. “Existem três tipos de música que dominam o mundo: o samba, a salsa e o jazz e o único povo que toca bem as três é o brasileiro”, concluiu Montenegro. Segundo ele, todo músico bom carrega o outro no colo e não o coloca à prova. “Todos os músicos bons que toquei me carregaram no colo, os que não fizeram isso provaram ser limitados”, reforçou. Emocionado ele não deixa de esclarecer que deve tudo o que sabe a seu pai, o amor ao instrumento, o amor à música. 

Há dez anos ele esteve aqui em Santa Cruz com a Big Band da Força Aérea de Canoas, foi o Riovale Jornal que trouxe em parceria com o Lions Clube para comemorar os 30 anos do Jornal. Ele lembrou que veio regendo e tocando bateria. “Penso em parar todos os dias, eu já estou a 40 anos tocando bateria, vou comprar um jeep, colocar na camionete e ir morar no interior com minha esposa”, esses são os planos do músico para quando conseguir parar. 

“O que fica de tudo isso aí, eu ainda não sei porque ainda estou escrevendo a minha história. Já fui convidado pra escrever livro, mas acho que ainda estou escrevendo minha história. Já fui convidado pra escrever método de bateria, mas eu não estou preparado ainda. Já fui convidado pra fazer vídeo, lançar DVD, vídeo-aulas, mas eu acho que ainda não estou preparado. O que fica é uma esperança para que eu consiga tocar no futuro, porque está sendo cada vez mais difícil. Eu penso todos os dias em parar”, finalizou Montenegro.