A solidariedade se multiplica neste período da Covid-19 e tem se tornado uma das principais armas contra a pandemia. Muitos voluntários em todo o país têm se mobilizado para ajudar pessoas em estado de vulnerabilidade social. Em Santa Cruz do Sul não é diferente. Até o momento, a Central de Doações já recebeu mais de 10,3 toneladas de alimentos. E este número expressivo só foi possível graças ao carinho de pessoas que estão engajadas em vários segmentos da sociedade. Conheça a história de três pessoas que entraram nesta batalha e ensinam como é possível ajudar quem mais precisa.
Pelas cartas, o carinho de Dulci
Dona Alma conhecia muito bem a filha que tinha. Não adiantava argumentar que vivendo debaixo do mesmo teto estaria mais segura, de que teria o afago do pai e da mãe todas as noites e biscoitos caseiros pela manhã. No ano de 1965, a pequena Dulci Hohgraefe sonhava com um lugar de muito mais oportunidades do que o habitual anoitecer de pouca luz do então distrito de Restinga Seca. Ela queria uma cidade onde poderia se preparar para o mundo do jeito que ela acreditava: estudando sem parar.
E então a filha de dona Alma, com apenas 11 anos de idade, ficou sabendo que em Santa Cruz do Sul havia uma escola, em regime de internato, onde poderia estudar, dormir e brincar. Não pensou duas vezes. No mesmo ano mudou-se para cá, já que a irmã mais velha teria feito o mesmo caminho no passado.
Mesmo com o sofrimento da saudade, por estar longe de dona Alma e seu Reinholdo, a corajosa Dulci nunca deixou cair uma lágrima pela distância e pelas semanas sem se falar. Sem telefone para se comunicar com os pais, as notícias iam e vinham por meio de cartas escritas a lápis numa folha de caderno. E sempre começavam assim: “Mamãe e papai. Estou com saudade, mas fiquem tranquilos que por aqui está tudo bem. Estou aprendendo muitas coisas novas. No Dia das Mães vou pra casa ver vocês, tá bem? Espero que…”, e encerrava dizendo “te amo pai, te amo mãe”.
Dulci viveu e cresceu a maior parte de sua vida estudando e trabalhando, formando-se em Letras, depois fez pós, mestrado, atuou como professora e coordenadora administrativa por décadas. Agora, aos 66 anos e aposentada, além de atuar como voluntária numa casa espírita e cozinhar para meia dúzia de filhos e netos, Dulci voltou a escrever cartas, mas com um destino diferente: há poucos dias, mandou um bilhete para o supermercado com a lista de compras de alimentos e doou para a Central de Doações da Prefeitura. “Conheço a realidade de muitas famílias e é o mínimo que posso fazer neste momento difícil que vivemos”, conclui.
A lição que vem de casa
A casa de Maria Eduarda Grassi é sem muros na frente. Ali os moradores da vizinhança chegam, batem palmas ou apertam a campainha e, na porta, quase sempre aparece uma linda menina de cabelos longos. “Oi Duda, tudo bem? Trouxemos mais alimentos”. E então os olhos castanhos de Duda, como é conhecida, brilham como luzes em noites de Natal.
No Loteamento Jardim das Hortênsias, do Bairro Jardim Europa, todo mundo sabe que quando se trata de ajudar os outros, a ilustre moradora da Rua San Marino agita toda a família. E, por vezes, a vizinhança inteira. Contam os pais, Fernando e Estefânia, que até tampinhas descartáveis são acumuladas pela filha em campanhas pelo meio ambiente. Mas a maior façanha da menina foi em uma iniciativa para arrecadar meias velhas, que seriam transformadas em cobertores para famílias carentes. Foram mais de mil pares coletados.
Agora, no período de pandemia, toda a família Grassi se mobilizou ao encampar a arrecadação de alimentos que foram repassados para a Central de Doações da Prefeitura na semana de Páscoa. Desta vez, no entanto, a Duda não precisou bater de porta em porta à procura de alimentos. Foi o pai, por meio do grupo de WhatsApp, que mobilizou os moradores do bairro. “Arrecadamos cerca de 180 quilos de alimentos. Agora é um momento que a gente precisa se colocar no lugar do outro e ajudar. Se enfrentar uma situação de pandemia já é difícil, imagina ainda ter que se preocupar com a fome”, finaliza.
De pai para filha
De tanto ajudar os outros, o senhor Fernando Alimena Teixeira ganhou até nome de rua em Pantano Grande. Pai de quatro filhos, e a esposa, professora, seu Teixeira, como era chamado, atuava em uma empresa de calcário até os anos 1990, quando veio a falecer num trágico acidente de trânsito.
Muito religioso e participativo, ele se dedicou em vários segmentos na cidade. Criou um clube de futebol, foi presidente do Círculo de Pais e Mestres na escola dos filhos e sempre mobilizava os moradores quando necessário.
Uma de suas filhas, a administradora Andrea Lorber, de 46 anos, agora reside em Santa cruz do Sul e recorda a liderança do pai na época. “Meu pai sempre se preocupou muito com os outros e tinha uma forte atuação na comunidade”, relembra.
Um pouco do pai, Andrea também tenta colocar em prática, ao se envolver o ano inteiro em trabalhos solidários. Agora, neste momento de pandemia, ela e o marido também mobilizaram conhecidos e amigos na arrecadação de alimentos para repassar à Central de Doações da Prefeitura. “Eu não faço isso para querer aparecer. Eu faço porque aprendi com meu pai a fazer caridade”, diz.