Aos 7 anos, tinha certeza de que seria desenhista. Eu acreditava que era possível viver dos meus desenhos e por esse motivo dedicava o meu tempo livre para desenhar. Poucas coisas me distraiam desse objetivo, já que a internet ainda não havia se popularizado e a minha única obrigação era estudar. Desenhar, por muito tempo, foi mais do que um simples hobby, uma distração, algo que me motivava a acordar todos os dias. Na adolescência, um encontro único com a escrita me fez mudar completamente a minha relação com livros e os próprios sentimentos.
Ainda sobre os desenhos: não é que eu não tenha tentado. Eu tentei, de verdade, Utilizava as HQs que comprava para ver os traços, linhas e estilo de cada artista. Buscava repetir, copiar, colocar um pouco do meu jeito. Não fui a criança mais talentosa, mas dava para ver que eu tinha condições de ter ido adiante. Até hoje fico pensando no que poderia ter acontecido, que nível conseguiria alcançar desenhando. Vejo vídeos e ilustrações na internet de gente extremamente talentosa e fico grato de saber que existam pessoas que desenvolvem trabalhos incríveis.
Mas mais precisamente quando chegou a adolescência e com ela todas as inseguranças, medos e dificuldades, eu deixei os desenhos de lado. Se nunca fui muito disciplinado, esse período da minha vida me fez abandonar completamente qualquer ideia de que seria possível fazer algo bom ou regular. Bullying, reprovação de ano, dificuldade de enturmação, mudanças de humor, no corpo. Parei de desenhar. Não via sentido em muitas coisas, entre elas, desenhar, já que não conseguia me expressar através dela. Como expressar frustração, medo, angústias em algum desenho? Aos poucos, fui tentando cada vez menos e os traços foram tornando-se menores, ao ponto de emendar um ao outro. Formaram-se letras e as palavras eram tudo no que eu poderia me apegar.
Demorei muito tempo, mas vi na escrita uma forma de lidar com a depressão e entender os sentimentos que passavam por mim naquele período. Hannah Arendt disse que “Toda dor pode ser suportada se sobre ela puder ser contada uma história”. A dor de uma adolescente em um período entreguerras é indiscutivelmente maior do que a de um jovem em depressão, mas traz uma lição: toda dor pode se transformar em poesia. Todo sofrimento pode ser atenuado através de uma história que contamos a nós mesmos ou aos outros. Seja ficcional ou autobiográfica.
É possível que não exista nada mais doloroso do que ter que enfrentar um sofrimento tão profundo sozinho. Por isso a importância de compartilhar essas batalhas internas, em forma de prosa, poesia, histórias que escrevemos. Perdi as contas de quantas vezes contei as mesmas situações, fatos e acontecimentos para amigos em busca de uma resposta. Não cheguei a encontrar a solução que procurava, porém definitivamente sai mais aliviado a cada vez que reproduzi a mesma história. Agradeço aos amigos pela paciência em me aguentar narrando as mesmas coisas, de tempos em tempos, até me darem tempo para assimilar e conseguir encontrar sentido naquilo que falava.
Através da escrita, é possível enxergar novas realidades, rumos, futuros. Imaginar que as coisas podem ser diferentes. E através da imaginação, acreditar que, de fato, é possível ser feliz.
Encontrei na literatura a maneira de lidar com tantas frustrações, tristezas e as coisas que vivemos ao pisar nesse mundo. Toda dor pode ser suportada se sobre ela puder ser contada uma história. E se nem todos os acontecimentos da vida acabam em finais felizes, que a escrita permita contar e imaginar que dias melhores virão.