O Judiciário, em todas as suas instâncias, é o senhor do tempo; às vezes, “Cronos”, do tempo linear, cronológico; outras, Kairós, do sentido do tempo, da oportunidade. Algo como “timming” ou também “cavalo encilhado”. Têmis, a pobre guardiã dos juramentos e da lei, é uma senhora muito pouco requisitada, com uma balança enferrujada nas mãos.
Imagino que pela cabeça do ex-presidente Lula também devam estar passando ideias semelhantes. Ou, então, em sua saga de salvador do povo, talvez se veja assim: “puxa vida, eu subi o Gólgota carregando a minha cruz, fui ofendido, apedrejado e crucificado. Mas em vez da glória final, chegou o pessoal da produção desmontando tudo, já que o evento fora cancelado ou adiado, ninguém sabe dizer ao certo.
E agora o que faço com as feridas? E os compromissos que perdi por estar aqui?” Sim, “Kairós”. Durante o percurso até ali, foi impedido de ser ministro de um governo que estava em crise e talvez salvá-lo, viu esse governo ser derrubado, um montão de coisas acontecerem na economia, que alguns chamaram de destruição e caos, outros de reconstrução. Coisas, enfim, sem volta como a entrega do Pré-sal ao capital estrangeiro, a venda em partes da Petrobrás, desistência do esforço de refinar o próprio petróleo, optando por exportá-lo bruto e depois comprá-lo de volta beneficiado, a dizimação da indústria exportadora de engenharia, etc., etc. Foi preso e viu-se impedido de disputar as eleições presidenciais para as quais até então era o mais bem cotado nas pesquisas de opinião. Viu, sem nada poder fazer, o seu carrasco integrar o novo governo que ajudou a eleger com muitas manobras, sentenças e vazamentos, bem distribuídos no tempo para uma melhor exploração eleitoral, como por exemplo a liberação, às vésperas das eleições de 2018, de documentos da delação premiada de Antônio Palocci, posteriormente refutada por não ter pé nem cabeça.
Em 16 de março de 2016, em meio a uma crise de sustentação política, Lula foi nomeado Ministro da Casa Civil pela presidenta Dilma. No mesmo dia – “Kairós” -, Sérgio Moro levanta o sigilo de conversas telefônicas entre a presidenta e seu nomeado ministro, que poderiam sugerir um movimento fraudulento para mudança de foro do processo contra Lula, de Curitiba para o foro especial, em Brasília. O ministro do STF, Gilmar Mendes, cancelou a posse do novo ministro com tal argumento. Agora, diante decisão de Edson Fachin sobre a óbvia ilegalidade de as investigações e processos contra o presidente Lula terem se dado em Curitiba, passando-os para a justiça do Distrito Federal, aquela intervenção de Gilmar Mendes passou a integrar uma espécie de História do Absurdo, pois Curitiba e todo o espetáculo de captura do “inimigo público número um”, legalmente, nem deveriam ter existido.
A sentença de Fachin agora e não lá no começo – “Cronos” – pelo já então alertado fato de que o comando de Sérgio Moro contrariava o princípio do “juiz natural”, moldou toda a nossa história recente. O julgamento da suspeição do juiz Moro, no momento em que escrevo, encontra-se adiado por um pedido de vista – outro clássico “Cronos” – do ministro Nunes Marques, até que as coisas se acomodem no Olimpo.