Sexta-feira, às 23 horas. A esta hora da noite, um pedido para comprar chicle e picolé só poderia me levar a um lugar: loja de conveniências de posto de gasolina. Fui. Digo, aventurei. Ao chegar lá foi difícil estacionar. A moçada ocupava o estacionamento, os boxes de abastecimento dos carros, as mesas. Quando cheguei, estacionei onde pude. Duas moças estavam escoradas no porta-malas de um carro, que estava com a porta traseira aberta. O carro tinha uma aparelhagem de som potente, incrementada. Pensei: daria para fazer um baile com um som destes. As moças estavam acompanhadas por dois rapazes. Uma delas usava um short curto, com os bolsos avançando sobre as coxas, como quem diz: “olha, meu short tem bolso, viu?”. Deve ser moda. Quando abri a porta do carro para sair observei que elas se olharam, comentaram alguma coisa e sorriram. Pensei: “ihhh… estão falando do som do meu carro” (eu estava com o rádio ligado). Sei que não é páreo para o som daquele carro, mas sempre identifico bem as músicas que tocam, do rádio ou do pen-drive. Tem um som normal. Pensei também: “devem estar falando da minha cachorrinha poodle que está comigo, a Nicky. Afinal, alguém mais leva cachorrinho na balada do posto às onze horas da noite?” Elas podem ter comentado a ideia de me adicionar no Guinness Book por isso. Já pensou eu ser o cara que mais leva cachorrinho para a balada no mundo? Que tal? Mas depois pensei que elas poderiam estar querendo lançar a Nicky como candidata a cachorrinha que mais frequenta baladas. Aquelas duas moças podem também ter comentado se, depois de vê-las escoradas no carro, eu iria à minha casa buscar a mulher para escorar no porta-malas do meu carro com a porta traseira aberta. Caso eu fizesse isso, é certo que eu aproveitaria para trazer uma caixa de som para melhorar o desempenho do meu rádio.
Quando entrei na loja de conveniências fiz um comentário com o atendente: “ta lotado hoje, né? Parece que a moçada gosta do cheirinho da gasolina. São todos os dias assim?” O rapaz respondeu: “pior”. Não que eu esperasse uma resposta profunda, mas pensei comigo: “que poder de síntese!” Pensei também como eu deveria interpretar a palavra “pior”. Seria possível traduzi-la por “melhor”? Ou “pior” seria uma sigla de alguma expressão, tipo “Para de Interrogar, Ô Rapá”.
Fico pensando o que leva os jovens a se aglomerarem num porto de gasolina. Quando viajo aos sábados, saio cedo da manhã, e nesta hora já presenciei jovens ainda lá, firmes, como quem diz: “to com sono mas não me entrego”. Suponho que tenham passado ali a noite toda. Talvez seja atraente a sensação de escorar atrás do carro com a porta do bagageiro aberta, pelo perigo de, a qualquer momento, cair para dentro como se fosse uma mala, ou (por que não?) um mala. Não estou querendo chamar ninguém de mala. Quero também deixar claro que, se um dia alguém for chamado de mala, isto não é ofensa, desde que a mala tenha bagagem, conteúdo. Nem falo da bagagem de entendimento musical, de sentir a música a todo volume. Isto não parece importar. O que importa é sentir a vibração que o som provoca na lataria do carro, e escorá-lo de costas, como a impedi-lo o movimento de ré, ficando assim por horas a fio. Talvez o pai tenha falado: “vai ao posto abastecer, guri”. E o guri entendeu que era para abastecer de cerveja, ou abastecer a mente de novas ideias pela troca de conversas, em que sempre se aprende.
Quando fui efetivar a compra na loja de conveniências, perguntei a mim mesmo: “o que mesmo eu tinha que comprar na loja de conveniências? Era comprar ou abastecer?”.