Hong Kong, uma cidade linda na costa sul da China, assemelha-se ao Rio de Janeiro por estar entre montanhas arborizadas e as águas do oceano. Por sua pujança de metrópole rica também lembra São Paulo, com prédios altíssimos. A população de São Paulo é 36% maior que a de Hong Kong. São Paulo tem 6 milhões de carros particulares, enquanto Hong Kong tem 435 mil. A rede de transportes de Hong Kong é usada por 90% da população. Isso se justifica pela incomparável qualidade do transporte coletivo. Ônibus, trens, metrôs, bondes, balsas. Tudo isso a preço acessível.
Analisando a comparação acima, parece óbvio o motivo da diferença entre o trânsito caótico de muitas cidades brasileiras, e a realidade de cidades onde isso funciona bem. Tem-se logo a tendência de culpar a qualidade dos transportes coletivos, como a infrequência, o desconforto, etc. Até pode haver alguma verdade nisso, mas atrevo-me a lançar uma pergunta: a infrequência e a falta de conforto são o motivo pelos quais não há tantos passageiros, ou seria por não haver tantos passageiros que nossos transportes coletivos não são tão frequentes ou confortáveis? Da mesma forma se pode perguntar: afinal, por que não dispomos de mais opções de transportes? Em Porto Alegre os bondes foram abandonados há décadas. Houve um tempo no século XX em que viajar de trem era tão normal quanto de ônibus interurbano, e não foi num tempo tão distante.
Nossa relação com a locomoção é mais complexa do que parece. As famílias estão cada vez menores, mas possuem carros cada vez maiores para carregar cada vez menos gente. Existe, sem dúvida, uma pressão cultural na mídia exercida pela indústria automobilística. O carro passou de ser apenas um veículo de locomoção, para exercer um objeto de expressão do nível social, de status e poder. Se você pensa o contrário, experimente vestir-se como de costume, deixe seu carro em casa e vá de bicicleta ao trabalho. Não será tão demorado, dependendo do horário até mais rápido do que se fosse de carro. De bicicleta você faz exercício físico, sua saúde agradecerá, e o meio ambiente também, porque não gera poluição. Em grandes cidades da Europa é comum ver pessoas de todos os níveis sociais indo de bicicleta ao trabalho. Há diferenças: há pistas para bicicletas (mas não em todas as ruas), os motoristas e ciclistas convivem educadamente, ambos respeitando as regras do trânsito. Ah… existe outra diferença: o vizinho não fica pensando que você vendeu o carro para pagar as contas e dizendo: “-Viu? Eu sabia que um dia ele ia ter que andar de bicicleta”.
Em São Paulo, num desafio promovido no horário de pico, às 18 horas, um ciclista levou 22 minutos e 50 segundos para percorrer 10 quilômetros pelas ruas. Perdeu para o helicóptero por apenas dois minutos. Em Nova York, este ano, 2012, os ciclistas venceram, mais uma vez, uma corrida anual do Brooklyn até Manhattan, em comparação com quem foi de metrô ou carro.
Jaime Lerner, político e arquiteto de Curitiba, referência nacional em urbanização, disse que, num futuro próximo, o automóvel vai ser odioso e fora de moda. “Ele bebe muito, polui o ambiente, dá despesa e é egoísta porque é projetado para cinco passageiros e normalmente carrega um só”.
Num mundo movido pela mídia do consumo, que papel representam nossos carros para nós? O brinquedo que tínhamos quando crianças e que agora precisam ser grandes e caros para continuarmos a tê-los? Representam uma expressão do nosso status social, mesmo quando desejamos transmitir o status ideal, e não necessariamente o real? Seriam nossos carros uma extensão da nossa vaidade?