Tiago Mairo Garcia
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17 de abril. Uma data especial para Ary Vidal e para o basquete de Santa Cruz do Sul. Para o treinador, a data era especial, pois foi o dia, em 1985, que ele realizou uma cirurgia do coração e que cinco anos depois, em 1990, marcou o começo da profissionalização do Corinthians com a sua chegada para comandá-lo. Quis o destino que nove anos depois da cirurgia, e quatro anos depois de iniciar o projeto em Santa Cruz do Sul, justamente no dia 17 de abril de 1994, o sonho do treinador carioca em ser campeão brasileiro se tornasse realidade, com a Pitt/Corinthians derrotando Franca para o capitão João Batista erguer pela primeira vez a taça de campeão da V Liga Nacional de Basquete. A vitória diante de mais de oito mil pessoas em um ginásio Tesourinha, em Porto Alegre, completamente lotado, marcou a celebração da maior glória conquistada pela equipe de Santa Cruz do Sul, sendo até hoje a única equipe do Rio Grande do Sul a vencer uma competição nacional de âmbito profissional na modalidade.
Na temporada 93/94, antes da Liga Nacional, a Pitt/Corinthians venceu um torneio internacional no Poliesportivo, sagrou-se campeã dos Jogos Intermunicipais do Rio Grande do Sul (Jirgs) e dos Jogos Abertos Brasileiros (Jabs) representando Santa Cruz do Sul, venceu a Liga Regional Sul e obteve o tetracampeonato estadual ao vencer novamente a Sogipa na final.
Na Liga Nacional, a equipe integrou a chave B ao lado de Suzano, Rio Claro e Vasco na primeira fase. A caminhada da Pitt/Corinthians iniciou no dia 25 de janeiro de 1994 em Suzano, no interior de São Paulo, com derrota por 94 a 91. Na segunda rodada, segunda derrota por 72 a 70 para Rio Claro. Na estreia em casa, vitória sobre o Vasco por 107 a 95. No returno, venceu Suzano por 109 a 91 e Rio Claro por 104 a 91. Na última rodada, a Pitt/Corinthians acabou sendo derrotada pelo Vasco por 96 a 89 no Rio de Janeiro, resultado que deixou os santa-cruzenses em terceiro lugar na chave, com o time avançando para as quartas de final e disputando o triangular com Jales e Telesp, ambos de São Paulo, dois favoritos ao título nacional.
A derrota no Rio de Janeiro para um time eliminado doeu no elenco, que fez um pacto definitivo em busca do título. A equipe estreou no triangular contra a Telesp com uma vitória por 124 a 86 em Santa Cruz, resultado que deu confiança ao time. No segundo jogo, o tricolor cruzou novamente com Jales, algoz dos santa-cruzenses nos anos anteriores, em São Paulo, com nova vitória dos paulistas por 106 a 93, sendo a oitava derrota do Corinthians em dez confrontos contra o rival paulista. No returno, o Corinthians foi a São Paulo e conseguiu uma importante vitória por 93 a 92 sobre a Telesp, garantindo a classificação para a semifinal. No último jogo da fase, novo encontro com Jales, no Poliesportivo, com mais de 5 mil pessoas que viram o tricolor encerrar o tabu de derrotas ao vencer os paulistas por 107 a 82.
Pelo regulamento, na fase semifinal teve oito equipes classificadas que foram divididas em duas chaves de quatro times, em que somente o campeão de cada grupo avançava para a final. A Pitt/Corinthians enfrentou Rio Claro, Minas, Palmeiras e o outro grupo foi formado com Franca, Jales, Dharma e Tijuca. Nos dois primeiros jogos, em Santa Cruz, o Corinthians venceu o Minas por 102 a 93 e Rio Claro por 94 a 82. Em São Paulo, enfrentou o Palmeiras e venceu os paulistas por 123 a 85. A equipe foi para a decisão com Rio Claro com a mídia dando favoritismo aos paulistas. Como franco-atiradores, os comandados de Ary Vidal venceram os paulistas por 107 a 100. Na última rodada, em casa, o Corinthians sacramentou a classificação para a inédita final ao vencer o Palmeiras por 96 a 92, fazendo a alegria de mais de 7 mil torcedores no Poliesportivo.
Título com virada e apoio do torcedor
TV Manchete, emissoras de televisão que transmitiam a Liga Nacional não possuíam estrutura para transmitir as partidas em Franca e Santa Cruz, a Confederação Brasileira de Basquete (CBB) decidiu que as finais entre Franca x Pitt/ Corinthians seriam realizadas em São Paulo e Porto Alegre. Diante de um adversário que era base da seleção brasileira, o Corinthians precisou se superar e contou com o apoio fundamental, o torcedor.
No primeiro jogo, marcado para às 13h40 de uma segunda-feira, no Ginásio do Palmeiras, em São Paulo, em partida que recebeu 103 pagantes, Franca e Pitt/Corinthians realizaram um jogo equilibrado, quando o Franca venceu por 95 a 92. No segundo jogo, disputado na terça, à noite, novamente com o ginásio palmeirense vazio, com clima de rivalidade após os pivôs Joel, do Corinthians, e Morgam, do Franca, se desentenderem no hotel onde ambos os times estavam hospedados, novamente os dois times protagonizaram um duelo eletrizante que terminou com vitória dos paulistas por 97 a 96, com lance polêmico de falta reclamado pelos corintianos e vantagem de 2 a 0 de Franca na série melhor de cinco jogos.
Com sentimento de injustiça pela derrota no segundo jogo, a Pitt/Corinthians foi para Porto Alegre determinada a virar a série para conquistar o título, pois como dizia o técnico Ary Vidal, de que o seu fusquinha seguia no páreo contra o fórmula-1 paulista.
Condenados ao vice-campeonato, o treinador usou a viagem de ônibus até Santa Cruz para motivar os jogadores com o filme “Os 12 condenados”, que destacava a história de 12 criminosos norte-americanos que precisavam cumprir uma missão para ganharem o perdão. Usando o filme, o treinador destacou que o time possuía exatos 12 soldados que estavam fadados ao fracasso e que se vencessem os três jogos contra Franca, seriam absolvidos e com o título, jamais seriam esquecidos em Santa Cruz do Sul.
A preleção mexeu com os atletas. Ao chegar para realizar o treino de reconhecimento no Ginásio Tesourinha, os jogadores se depararam com filas na bilheteria de torcedores, com os ingressos sendo esgotados e 8 mil vozes jogando junto com o tricolor santa-cruzense. Com apoio da torcida, a Pitt/Corinthians se superou. Na sexta, 15, venceu os paulistas por 90 a 87. No sábado, 16, o tricolor empatou a série em 2 a 2 ao vencer um eletrizante jogo por 99 a 98, com Alvim evitando que Franca marcasse a cesta decisiva nos segundos finais, para empatar a série em 2 a 2.
A decisão ficou para domingo, 17, dia especial para Ary Vidal. Os 12 condenados corintianos estavam prestes a conquistar a absolvição e novamente o torcedor fez a diferença. Com o Tesourinha pulsando em cenário semelhante ao Poliesportivo, a Pitt/ Corinthians precisou se superar. A equipe foi para o intervalo perdendo por 10 pontos de diferença. Com uma dose de confiança no vestiário do técnico Ary Vidal, os jogadores tricolores iniciaram a reação, que tirou o técnico do Franca, Hélio Rubens, do sério. Após uma falta de Rogério Klafke em Brent, o treinador paulista acabou invadindo a quadra, que rendeu uma falta técnica e quatro lances livres para o Corinthians, todos convertidos pelo norte-americano. O time santa-cruzense sentiu que poderia vencer e a torcida começou a cantar com o tricolor, que administrou o placar e com a vitória por 99 a 92, poder soltar o grito de campeão brasileiro de basquete.
João Batista, Cruxen, Joel, Brent, Alvin, Almir, Marcionílio, Edu Gato, Silvio Carioca, Ivan Pohl, Carlos Magrão, Oldair, e a comissão técnica formada por Ary Vidal, Waldir Boccardo, Leandro Burgos e Luciano Hillesheim foram absolvidos com a conquista que foi coroada com o capitão João Batista erguendo o sonhado troféu na solenidade de premiação, dando início a festa seguida de carreata dos campeões pelas ruas de Santa Cruz, com apoteose no Ginásio do Corinthians pela histórica conquista.
João Batista “Santa Cruz faz parte da minha vida”
Capitão da equipe em 1994, o armador João Batista lembra na sua chegada ao time, em 1993, quando Ary Vidal comunicou que seria o capitão. O armador destaca que o clube montou o time dentro da sua realidade financeira e destaca a participação do auxiliar Waldir Bocardo (já falecido) para o sucesso do trabalho. “O Waldir Bocardo era um excelente treinador, conhecedor da matéria e com expertise em times defensivos. Ele fez uma proposta do time ter uma defesa forte e sair rápido no contra-ataque. Para essa ideia dar certo, entrou o trabalho do professor Leandro Burgos na preparação física, que realizou trabalhos específicos e nos preparou para correr da maneira certa para ter um time com intensidade na defesa e no ataque, que refletiu no desempenho e na nossa forma de jogar”, frisou. Para João Batista, o jogo que mostrou que o time estava no caminho certo foi a vitória contra Telesp em Santas Cruz. “Sofremos uma derrota muito dolorida no Rio de Janeiro para o Vasco da Gama, que já estava eliminado. Esse resultado nos obrigou a voltar para Santa Cruz e enfrentar a Telesp. A virada de chave foi no aeroporto. Estávamos todos tristes e o Bocardo conversou com todos os jogadores. Ele nos motivou e vimos que tínhamos que nos unir e no jogo vencemos a Telesp com mais de 30 pontos. Ali eu vi que certamente iriamos chegar na final”, conta o capitão.
Sobre a final com Franca, João Batista destaca que o adversário era muito forte e que poucos imaginavam que o Corinthians pudesse vencer três jogos seguidos para ser campeão nacional. “A torcida foi fundamental para essa virada. Nós tínhamos noção que em Santa Cruz nós éramos ídolos, mas não sabia que estávamos tão grandes no Rio Grande do Sul. Antes do primeiro jogo, quando saímos do hotel em Porto Alegre, os taxistas batiam palmas e gritavam para nós ganhar. As pessoas saiam dos carros, vimos a fila no Tesourinha, a cobertura da mídia, a organização da torcida em Santa Cruz. Isso tudo mexeu com o time e sentíamos que não podíamos decepcionar todas aquelas pessoas que confiavam em nós e vimos que tínhamos mais a dar, de superar as dores e dificuldades e conseguimos ter sucesso”. Sobre o título, o jogador frisou que foi a sua principal conquista na carreira. “É uma conquista inesquecível e que jamais vou esquecer. Santa Cruz faz parte da minha vida e me sinto feliz de toda vez que estou na cidade, sempre ser reconhecido pelas pessoas. Isso não tem preço que pague”.
Hoje, com 54 anos, João Batista está trabalhando como técnico do Botafogo, do Rio de Janeiro, equipe que disputa o campeonato Brasileiro de Clubes. O ex-jogador salienta a sua alegria de ver o União Corinthians também estar participando da competição nacional. “Fico feliz de ver o basquete retornando na cidade, com novas pessoas querendo fazer, retomando a história do basquete de Santa Cruz. O União Corinthians pode ser meu adversário e isso me deixa feliz, pois tenho amigos como o Luciano e o Athos que estão no clube. Fico feliz de ver que o basquete está vivo na cidade”, finalizou.
União do grupo fez a diferença
Ary Vidal e Waldir Bocardo (ambos já falecidos) foram os responsáveis por determinar a organização tática do time, mas dois profissionais foram fundamentais para a equipe ter sucesso nas finais contra Franca. O preparador físico Leandro Burgos e o massagista Luciano Hillesheim relembram momentos marcantes que vivenciaram naquela histórica decisão.
Hoje, com 74 anos, Burgos lembra que assumiu a preparação física em 93 no lugar de Gilmar Weiss, com o trabalho iniciando em julho para a temporada 93/94. O time formado com jogadores que não eram tão conhecidos gerou desconfiança na comunidade. “As pessoas chegavam e nos diziam, mas esse time está feinho. O Ary Vidal usava isso a favor e dizia que tínhamos um fusquinha que iria jogar com Ferraris”, lembra Burgos.
Sobre o trabalho físico realizado para dar o suporte ao novo perfil tático do time elaborado por Vidal e Bocardo, de ser forte na defesa e com contra-ataque rápido, Burgos conta que procurou inovar com novos conceitos de preparação física. “Tínhamos um time dedicado e começamos a preparação física cedo com planejamento. Nas vésperas de iniciar o brasileiro, chegamos no máximo da preparação física. Introduzimos muitas coisas e produzimos um treinamento específico para o basquete. Por exemplo, em uma das atividades, cada atleta realizava até 45 repetições de tiros de 50 metros no tamanho da quadra, além de trabalhos de musculação. Cada jogador teve o seu tempo físico planejado”.
Antes do quinto jogo da final contra Franca, Burgos lembra que ele e Luciano precisaram auxiliar o norte-americano Brent, que estava com a sola do pé machucada, no hotel. “A maioria dos jogadores estava com problemas físicos devido à série de jogos seguidos. Antes do último jogo, o Brent estava com a sola do pé machucada e mal conseguia caminhar. O Luciano fez um solado com atadura no pé machucado que permitiu que o Brent conseguisse colocar o tênis e fosse para o jogo. O Luciano foi fundamental nesse momento”.
Massagista da equipe campeã, o massoterapeuta Luciano Hillesheim vivenciou toda a trajetória do Corinthians nos anos 90. O profissional lembra do trabalho de preparação física realizado por Leandro Burgos, salientando o planejamento feito para que a equipe conseguisse suportar a série de jogos consecutivos da Liga Nacional. “O professor Leandro Burgos fez um trabalho de preparação física passo a passo. Ele dizia para o Ary que o time iria crescer na hora certa e que não podia queimar etapas. Na hora que precisou, o time teve perna e sobrou no preparo físico contra Franca”, lembra.
Os dois profissionais salientam que a conquista nacional foi mérito pelo trabalho coletivo realizado por todos os membros da equipe. “Esse grupo mereceu muito o título. Todos eram dedicados e determinados em conquistar o objetivo”, disse Burgos. Para Luciano, um detalhe marcante da final foi o apelido dado por Ary ao time de Os 12 condenados. “Isso nos marcou porque os jogadores diziam que queriam virar artistas e eles foram. O grupo era muito unido. Era o coletivo que sobressaia e isso fez a diferença. Cada um fez o seu melhor e obtivemos o sucesso”, finalizou.