Sim, esta é uma possibilidade com razoável garantia de sucesso: tornar-me uma pessoa catastrófica. Aqui não falo no plano dos “pensamentos catastróficos” que são bem abordados por muitos profissionais da saúde psicoemocional na atualidade. Está batizada a expressão de “catastrofização mental” aceita por boa parte dos psicoterapeutas e outros profissionais em saúde emocional ou espiritual.
Na verdade conhecemos esses perfis catastróficos. Às vezes estão na empresa em que trabalhamos, na nossa família ou na nossa própria rua onde residimos. Parte da mídia com tendência ao “quanto pior melhor” e das emoções desreguladas apresenta sempre mais pessoas catastróficas. Elas vivem em estado permanente de situações realmente difíceis e que podem levar ao caos existencial.
Alguns chamariam de pessoas negativistas ou pessimistas, mas é bem mais que isso. São pessoas que deixaram suas almas caírem numa situação gélida terrível, e suas mentes numa confusão, gerando um caldo grosso de tensão e uma possibilidade de um caos em suas vidas. Quem estiver próximo a elas paga um preço alto, pois é de alguma forma atingido pelo descontrole e suas contínuas oscilações de comportamento.
As pessoas catastróficas não têm uma percepção das coisas como elas realmente são. Para elas tudo pode ficar pior ou mais complicado. Seus pensamentos são como macacos que não permitem o aquietar-se, mesmo dormindo precisam se coçar desmedidamente.
A pessoa catastrófica sempre vai ver o copo “meio vazio” e não meio cheio. Ela imagina que o dia de amanhã será com certeza bem pior que o de hoje. Sua mente mergulhada na sombra e em parte assombrada traz para ela uma instabilidade emocional, gerando um ser em estado permanente de tensão e até mesmo alucinação, vendo de forma tão distorcida os fatos e as coisas que parecem ser mesmo um caos. Ela tem a tendência a aumentar a intensidade do negativo ou do que não está dando muito certo. Adora notícias sobre tragédias e desgraças.
O lado bom, desde que responsavelmente cuidado, tratado, é que do caos se tira o equilíbrio e a calma. Afinal, na sábia cultura judaica, no início do livro de Gênesis, sabe-se que do caos Deus tirou a vida e a criação. As perturbações dos mais variados perfis, podem ser a busca de autocontrole, equilíbrio, serenidade ou de reorganização da vida psicoemocional.
Por isso é importante observar bem pessoas com esses sinais ou mesmo que já tenham um comportamento bem alterado no sentido do catastrófico.
No nosso tempo somos tomados por muitas situações difíceis que exigem cada dia uma espécie de “musculatura de aço” para levar a vida adiante. As pressões, desde as contas a serem pagas, a aposentadoria que parece inalcançável, as relações próximas ou não, sempre mais ‘sensíveis’ e superficiais, vão deixando as pessoas numa espécie de vulnerabilidade existencial. Parece que se perde o chão debaixo dos pés. A direção fica confusa e projetos humanos ou institucionais diluem-se num piscar de olhos. Aqui se confirma que nossa cultura vai mergulhando de ponta cabeça na “sociedade líquida” (Bauman).
Sem tratamento, o processo de catastrofização tende a agudizar e a gerar outras patologias, algumas graves, como a depressão maior, o sentimento contínuo de fracasso, a crescente desilusão em tudo, e um alto grau de pessimismo. Recomenda-se num primeiro momento alguma intervenção psicoterapêutica. Conforme o grau da disfunção, num segundo momento deve agregar uma leve medicação orientada pelo profissional competente. Assim como se reforma uma parede, que passa pelo processo de “descascamento” da camada atual e a substituição por uma nova camada com material melhor, é o que se passa no emocional do paciente que aceita sair terapeuticamente da catastrofização.
Para os que praticam a fé cristã, é conhecida a cena onde Jesus cura um homem leproso, transformando seu “caos humano”, existencial e espiritual, numa nova criatura e proporcionando a ele nova direção e novo sentido (Lucas 5, 12-13). Sem nos darmos conta podemos entrar nesse processo de mergulho em algum “caos” e que nos custará muito caro em saúde e em boas relações humanas que poderão ser sacrificadas. Por isso, o oposto da catastrofização pode ser a relação enquanto alteridade (Levinás), mutualidade, a humildade em deixar-se ser ajudado e reconhecer que precisamos uns dos outros, especialmente nas dificuldades maiores. Muitas patologias emocionais não existiriam se as pessoas pudessem se interessar de fato mais umas pelas outras e não pelas coisas em torno delas. As coisas são para serem usadas e as pessoas amadas. Um ser amado tem muito para ser saudável e até mesmo curado. Concluo com uma frase de Jean Paul Sartre que para mim aplica-se também em saúde psicoemocional e espiritual: “Estou condenado a ser livre!”
Cyzo Assis Lima.fpm, padre e psicoterapeuta clínico – www.vivares.info