Uma fábula.
No dia 11 de setembro de 2021, aconteceu. O tão aguardado fim da política finalmente foi declarado. Mais improvável que o fim do mundo antecipado pelos oráculos, o certo é que aconteceu. Dois e meio milênios de experiências e vivências, de elogios e críticas, a política e o Estado foram oficialmente extintos.
Grandes festejos nos vários continentes atestaram que se tratava de um anseio popular, um reclamo das maiorias de todas as classes e grupos, de todas as regiões e recantos.
Não foi de uma hora para outra. A miséria da política vinha sendo cantada em prosa e verso, editoriais, revistas, livros e sites. Corrupção, salários altos, desvios de funções, excesso de cargos de confiança, promessas eleitorais não cumpridas… a lista longa e interminável era assunto permanente da mídia grande, média e miúda e das redes sociais em geral. Deu no que deu.
Muitos políticos fizeram a sua parte para esse desfecho. Esforçaram-se ao máximo, realizando uma verdadeira pós-graduação em mesquinharias, utilização de cargos para fins pessoais, uma benesse aqui, uma aposentadoria polpuda acolá, um carro público levando a madame às compras… Casos picantes alimentavam diariamente as manchetes.
A luta pelo fim da política e do Estado foi articulada nas redes sociais. De início, houve dois grandes movimentos. O Movimento dos Sem Estado queria somente o fim dos órgãos estatais. O Movimento dos Sem Política era mais radical, queria o fim do Estado e de todas as formas de organização política. Depois de alguns anos esses movimentos se uniram e venceu a tese radical.
A vitória foi comemorada com festejos monumentais em todo mundo. Um mês inteirinho de pão e circo, comida, bebida e música à vontade, marcou o início da nova era. Passadas as festas, começou a cair a ficha do novo momento da humanidade. Era a maior mudança dos últimos milênios.
Não havia mais políticos de nenhum tipo, nem autoridades. Não havia leis obrigando ou proibindo. Não havia impostos, horário eleitoral ou “voz do Brasil” às 19 horas. Também não havia polícia, exército, promotores, juízes ou prisões. Nem SUS, bancos públicos, Petrobrás, Banco Central, nada.
Os prédios públicos foram ocupados rapidamente. Como a nova regra era não ter regras, a ocupação beneficiou os mais rápidos e astutos. TVs de todo mundo mostraram a ocupação de palácios e ministérios em Brasília. Em muitos casos, as divergências foram resolvidas na base da força bruta, mas não houve manchetes em torno desses casos para não criar um clima negativo logo na largada do novo sistema. Em poucas horas, os prédios tinham novos donos, que fizeram livre uso do antigo patrimônio público, vendendo, trocando ou alugando.
As empresas estatais foram rapidamente fatiadas entre empresas do ramo, sob a alegação de que “a economia não pode parar”. A divisão da Petrobrás foi tema dos meios de comunicação de todo mundo. As multinacionais que fatiaram a estatal não precisaram pagar nada, pois não havia mais governo a quem pagar.
Foi proibida toda e qualquer discussão e organização sobre assuntos públicos. As religiões foram permitidas, com a condição de que fossem apenas espaços de oração individual, sem entrar em questões sociais.
O novo sistema tinha uma única lei: todos são livres para fazer o que quiserem! Uma lei entusiasticamente aceita no início. Aos poucos ficou claro que a verdadeira lei era outra: era a “lei do mais forte”.
*Professor