O Conselho Nacional de Justiça há alguns dias aprovou resolução obrigando o emprego da flexão de gênero para nomear profissão ou demais designações na comunicação social e institucional do Poder Judiciário, alcançando todas e todos integrantes, desembargadoras e desembargadores, juízas e juízes, servidoras e servidores, assessoras e assessores, terceirizadas e terceirizados, estagiárias e estagiários.
A normatização inclui os registros em carteiras de identidade funcional, documentos oficiais e placas de identificação de espaços físicos.
Merecedor de destaque é que a designação distintiva também se aplicará aos servidores transgêneros e ao uso dos nomes sociais adotados.
A norma produzida materializa, no ponto, o princípio constitucional da igualdade (art. 5º, caput, da Constituição da República), palmilhando caminho na direção de um tratamento de gênero isonômico, que contemple todas as suas variantes e traduz ação afirmativa para o enfrentamento da discriminação.
Em certa medida, a linguagem cumprirá função simbólica, com seu significante e significado e exercerá influência na cultura patriarcal.
Não se trata, pois, de preciosismo formal, de assimilação de modismo ou recurso rasamente cosmético, burocrático. É um contributo para a visibilidade da mulher e uma abertura a outras expressões de gênero, para além do masculino-feminino.
Como adequadamente assinalou o Ministro Luiz Fux, presidente do CNJ, ao vincar a importância da construção de espaços democráticos e institucionais com tratamento igualitário entre mulheres e homens, “É premente e conveniente a adoção de ações com vistas à reafirmação da igualdade de gênero, na linguagem no âmbito profissional, em detrimento da utilização do masculino genérico nas situações de gênero… O gênero masculino sempre foi utilizado para representar o sujeito universal, a totalidade da humanidade, sendo necessário marcar a existência de outro gênero, para além do hegemônico, com vistas à paridade estabelecida na Constituição Federal e ainda não completamente efetivada”.
Há bocado, comemoramos o aniversário da conquista pelas mulheres do direito do voto no Brasil (24 de fevereiro de 1932), logo, no dia 08/03 estaremos na luta, repercutindo a causa feminista.
As resistências, bem sabemos, são de toda ordem. A ninguém é dado desconhecer os calafrios que, por exemplo, provoca a designação de presidenta.
Lembro do que disse a respeito da jornalista e escritora española Maria del Pilar del Rio, presidenta da Fundação que leva o nome do seu marido, José Saramago: “Só os ignorantes é que me chamam presidente. A palavra não existia porque não havia a função, agora que existe a função há a palavra que denomina a função. As línguas estão aí para mostrar a realidade e não para a esconder de acordo com a ideologia dominante, como aconteceu até agora. Presidenta, porque sou mulher e sou presidenta. Porque é que entre uma mulher e um animal tem primazia o género do animal? Porque dizem “Vêm os dois” se é uma mulher e um cão quem vem? Em vez de dizerem que não se pode dizer presidenta, mas ministra sim, solucionem essa injustiça e canalhice. Que os doutos académicos resolvam um conflito que tem séculos porque não têm sensibilidade para apreciar a questão ou nem se aperceberam. Por isso, justificam com leis gramaticais ou simplesmente silenciam e riem-se das pretensões da mulher porque se acham superiores. Em quê?”
No Brasil, quando a Sra. Dilma Vana Rousseff assumiu em 3 de outubro de 2010, expressando preferência por ser designada presidentaA e não presidente, não teve a vontade respeitada pelo machismo espraiado, pelos adversários sem estatura para compreender que não se tratava apenas de frivolidade ou capricho e pela mídia tradicional preconceituosa.
Em países vizinhos, se deu algo diverso, na Argentina, com Cristina Fernández de Kirchner, e, no Chile, com Michelle Bachelet – a designação foi aceita pela imensa maioria, sem urticárias ou deboches.
Avancemos, senhoras leitoras e senhores leitores!