Início Geral Preservação | Práticas ecológicas nas religiões afro-brasileiras ede matriz africana

Preservação | Práticas ecológicas nas religiões afro-brasileiras ede matriz africana

Oferendas são feitas com elementos naturais, protegendo a ecologia e o meio ambiente

Pai Antônio: “Nossos cultos, oferendas e trabalhos devem estar em perfeita harmonia com a natureza e com a comunidade”
Divulgação/RJ

“Oferendas não devem ser consideradas lixo”, enfatiza o babalorixá Pai Antônio de Ogum sobre a realização dos trabalhos espirituais. A Umbanda é uma religião fundamentada em pilares africanista, catolicista, indígena e espírita. É, por excelência, uma religião brasileira que teve seu início nas senzalas durante o Brasil Colonial, trazendo um sincretismo entre os santos católicos, os orixás do africanismo e os espíritos de índios e negros escravizados. Seu principal objetivo é a evolução espiritual através da prática da caridade.
Em busca de pedidos de paz, agradecimentos por algo alcançado e para homenagear seus Orixás e entidades as pessoas buscam por oferendas feitas através dos Templos de Umbanda e religiões de Matrizes africanas. No final de ano, então, as realizações destas se intensificam e algumas são despachadas na beira dos rios ou no mar. Quando a água dos rios ou a maré sobem e depois baixam, ficam os restos das oferendas e a visão que se tem, para os leigos, é que estas poluem o meio ambiente. O dirigente espiritual do Templo de Umbanda Pai Ogum Beira-Mar e Mãe Oxum, Pai Antônio, explica o que é a Umbanda Ecológica. “Não somente a Umbanda, mas todas as religiões de matriz africana e afro-brasileiras estão estritamente ligadas à natureza, que é onde buscamos a energia e o equilíbrio para o dia-a-dia e manutenção do culto aos ancestrais, divindades e entidades. Nossos cultos, oferendas e trabalhos devem estar em perfeita harmonia com a natureza e com a comunidade.”
É na água, na terra, no fogo e no ar que encontram-se as grandes forças ocultas e que possibilitam os trabalhos espirituais e materiais, segundo Pai Antônio. “Preservando matas, rios, cachoeiras e pedreiras, fazemos com que haja equilíbrio e sintonia entre nós e evitamos aborrecimentos e conflitos desnecessários.”

MATERIAIS UTILIZADOS
Evitar uso de vidros, plásticos e outros elementos de difícil absorção e decomposição pelo meio ambiente ajudam a preservar a mãe natureza e utilizar objetos cortantes podem ferir as pessoas ou animais. “A confecção de oferendas aos orixás e entidades destina-se a devolver à mãe natureza, elementos que dela tomamos por empréstimo e sua absorção deverá acontecer no menor espaço de tempo possível.” Segundo o zelador, as oferendas não devem poluir o meio ambiente, tampouco serem consideradas lixo por pessoas leigas e desinformadas sobre os rituais. A prática dos ancestrais, em relação à religião, deve ser seguida, usando-se recipientes que a própria natureza oferece, entre eles colocar as oferendas sobre folhas de mamoneira ou bananeira, formando uma espécie de bandeja natural e que irá proteger a ecologia e o meio ambiente. “Da mesma forma temos que agir com as embalagens de bebidas, pois é desnecessária sua permanência no local de entrega das oferendas.”
As oferendas, geralmente, são acompanhadas de velas, que são acesas como foco catalisador da vibração dos orixás e guias espirituais. Ao entregarmos uma oferenda, devemos antes analisar o local escolhido, limpá-lo e fixar as velas de forma que não caiam. Assim evitamos queimadas, incêndios ou acidentes. Jamais devemos colocá-las junto a raízes de árvores, muito menos em seus ocos, pois muitas árvores centenárias e de espécie rara já foram destruídas desta forma. Isto não é do agrado da nossa espiritualidade. A Umbanda não recorre à sacralização de animais e não tem nessa prática um dos seus recursos ofertatórios às divindades. Na Umbanda, as oferendas se caracterizam por flores, frutos, alimentos, bebidas e velas como reverência aos seus guias e entidades. Na Quimbanda e nas religiões de matriz africana como o Batuque e o Candomblé, são realizadas as sacralizações.
Pai Antônio ainda frisa que não agindo da forma correta, não surtirá o efeito desejado na entrega da oferenda. Outro ponto destacado é sobre a utilização do plástico, que se torna de grande risco se usado em oferendas por ser um propagador do fogo. Uma mesa de oferendas montada sobre uma toalha de plástico e cercada de velas é um verdadeiro barril de pólvora quando colocada em uma mata.

Cada orixá tem seu habitat natural

Conforme Pai Antônio os orixás tem seu habitat natural e neste regem e recebem as oferendas e trabalhos dos humanos. “Devemos ter muito cuidado na hora de ofertar aos orixás e guias pois existem locais apropriados e outros não-apropriados. Entre estes estão as calçadas públicas e ruas do perímetro urbano, creches, escolas, templos, estabelecimentos comerciais ou industriais, repartições públicas.” Também devem ter atenção lugares de grande afluência de público, em especial de crianças, não digo isso para esconder nossa religião, digo porque essas crianças por sua inocência e curiosidade natural, podem vir a se colocar em contato com estes trabalhos, os quais se não tenham sido realizados de forma correta, com uso de materiais indevidos, podem agredir as mesmas.
Locais afastados são os ideais e com pouco movimento e de preferência de chão batido, o que levará de volta à origem os materiais utilizados nas oferendas. Oferendas colocadas em cruzeiros de via pública, em sua maioria, são dedicados a Exus (entidades) e Bará (Orixá). Para estes o local mais indicado seriam cruzeiros de mais movimento, para isso devemos utilizar materiais que não agridam o meio ambiente e que sejam absorvidos pelo mesmo em um curto espaço de tempo. Garrafas, copos de vidro, materiais perfuro cortantes, constituem um risco à segurança dos transeuntes das vias.

O uso das bebidas nas oferendas

“Em nossas oferendas é hábito a oferta de bebidas para potencializar a sua força vibratória”, explica. Deixar a bebida dentro dos vasilhames de vidro, plástico, copos ou taças é desnecessário, derramando-a direto no solo esta liberará de imediato os fluidos para a entidade a que se destina. Ao colocar bebidas, deve-se vertê-las ao redor das oferendas, retirando os recipientes do local. Na água deve-se ter o mesmo cuidado, ofertando apenas material orgânico, que se reintegra mais rapidamente à natureza, tais como grãos, flores naturais, frutas, doces. “Assim fazendo, os orixás e guias receberão com grande alegria nossos trabalhos e estes terão maior êxito. Mas a grande importância disso tudo é não poluir.”
Todos os trabalhos e oferendas devem ser colocados nos reinos respectivos de cada orixá ou entidade, ou seja, em seu habitat natural. A entrega de trabalhos e oferendas deve se revestir de todo cerimonial, rezas ou cantigas (pontos cantados), e os pedidos devem ser formulados com seriedade, que simbolizam a volta à origem. “Quando as oferendas e trabalhos já estiverem em vibração nos pejis ou congás (altares), o seu contato com a natureza é o bastante para a sua aceitação. Obedecendo a estas regras estaremos colaborando com a preservação do meio ambiente, com a limpeza de nossas cidades e com um maior respeito por nossa religião e a comunidade.”

Sacralização de animais em rituais religiosos

Existente desde os primórdios da criação e encontrada em diversas religiões pelo mundo, inclusive na história do catolicismo, a sacralização de animais em rituais religiosos ainda é considerado um tabu na sociedade brasileira. Inicialmente, deve-se esclarecer que a sacralização ou sacrifício ritual de animais não é uma prática exclusiva das religiões de matriz africana, prática essa adotada, por exemplo, por parte dos muçulmanos quando termina o período chamado de Ramadã, em que um cordeiro é degolado, e na religião judaica existe o abate Kosher, um ritual de abate para a preparação de alimentos. Encontram-se ainda notícias de sacrifício de animais por toda a Bíblia, embora os cristãos não se utilizem mais dessa prática, somente na semana santa com a tradição do peixe e no Natal com o peru. Os incas e os astecas, em honra ao Deus sol, sacrificavam humanos no topo de pirâmides, como forma de oferendas, o que não é o caso das religiões africanas, pois pensavam que, assim, aplacariam sua ira e evitariam calamidades. Atualmente, encontra-se a sacralização de animais no Hinduísmo, no Islamismo, como já dito, e nas religiões afro-brasileiras, como o Candomblé, Batuque e Quimbanda. Nestas linhas de culto, os animais servem como mensageiros, levando os pedidos ou ofertas dos fiéis e adeptos aos deuses e nem todas as ofertas ou pedidos compõem-se da sacralização.
Para as religiões de culto à ancestralidade africana, o ejé ou axorô(sangue) é um componente vital, por ser considerado o transportador do Axé (energia) presente nos animais. É, por isso, coletado e utilizado separadamente para renovar os objetos rituais de axé. A carne dos animais é utilizada para alimentar a comunidade dos terreiros e também para ações sociais, sendo doadas às pessoas necessitadas, asilos, abrigos, entre outros. O consumo da carne de um animal que foi oferecido tem Axé e é uma maneira de começar uma comunhão com os deuses, em que os seguidores estariam compartilhando a mesma comida que seus próprios deuses. Portanto, a sacralização de animais não é um ato de atrocidade ou carnificina, é um ritual religioso que faz parte da cultura de um povo.
Mas porque imolar os animais? Nós também nos alimentamos. Se a desculpa para as críticas à sacralização de animais se deve ao fato de eles serem seres vivos, vale lembrar que laranja, alface, couve também são seres vivos e nós os sacrificamos para suprir nossas necessidades. Afinal, quando arrancamos uma raiz de inhame para que ela faça parte da nossa farta mesa de café da manhã, nem lembramos que sacrificamos um ser vivo. Neste caso é para nos servir de alimento, e quando arrancamos uma flor pelo simples prazer de curtir sua beleza? Gostaria, apenas, que as pessoas que criticam os nossos rituais refletissem sobre o que foi dito anteriormente, com o coração e a mente aberta, e chegassem às suas próprias conclusões. É nossa obrigação fornecer subsídios para ajudar as pessoas a ampliarem o conhecimento de suas mentes, a fim de que seus corações possam ficar cada vez mais livres de preconceitos, o que faz com que eles se tornem mais purificados. Caso tudo o que falei ainda não tenha servido para que o sacrifício de animais possa ser compreendido, quero lembrar que os animais de que o povo se alimenta no seu dia a dia são mortos em série, de maneira cruel, nos abatedouros. Os nossos animais são reverenciados desde que são escolhidos, até o momento em que são oferecidos aos orixás ou entidades, quando cobrimos seus olhos com folhas específicas de calma e cantamos a fim de diminuir o estresse que eles possam estar sentindo. Além disso, a sacralização ocorre somente quando necessário, o que jamais envolve animais domésticos.
O descarte das partes do animal oferecidas aos Deuses e entidades, deve ser feito de maneira isolada, ou enterrado no chão, o que alimenta, também, o ayê, a terra em que pisamos e vivemos.