Naquela noite havia um vento morno. Ia eu pela calçada e ela passou ali, bem na minha frente. Parecia querer me provocar. Apenas parei e olhei. Tentei sentir perfume, não havia. Talvez uma essência natural discreta, no limiar do olfato. Talvez eu não tenha conseguido sentir o perfume. Ela não caminhava, flutuava. Assim passou ela esbarrando em mim sem falar nada, parecendo querer dizer muito. Fui cauteloso, aguardei alguns segundos e continuei a caminhar.
Mais tarde, naquela noite, recebi um pedido. Pediram-me para continuar a escrever esta coluna neste jornal. Foi algo mágico, como se a pessoa estivesse pedindo em nome de alguém. E estava. Reservo-me a não revelar quem pediu, nem de que forma. Não foi ninguém ligado ao jornal. Pelo contrário: quando parei de escrever, a direção do Riovale me agradeceu pela colaboração de tanto tempo e colocou-se ao meu dispor. Mas aquela pessoa do pedido, naquela noite, me fez pensar. Ela me disse que há coisas que devemos fazer pelos outros, mesmo que pensemos que também não sejam por nós próprios. Claro, sempre tentei ensinar isso aos meus filhos. Às vezes não fazemos ideia de que o que fazemos pode estar ajudando outras pessoas. Para alegria de alguns, e talvez tristeza de outros, resolvi voltar. Sou mesmo assim: invisto, resisto, desisto, insisto, persisto. Enfim, existo. Sou humano. Estou de volta. Não volto por mim nem pelas palavras. Jamais voltaria por glamour. Volto pelas pessoas.
Estou de volta para devolver às pessoas o que tenho aprendido com elas. Muitas vezes elas me ensinam sem saberem disso. Ouço mais do que falo, penso que observo mais do que sou observado. Quanto ao que faço artisticamente não sou eu que me exponho, é uma história de vida sintetizada na tinta, no grafite, na argila, no gesto, no passo. Uma história que traz consigo energia de gente, sentimento de pessoas e tudo o que mais couber no coração. Às vezes escrevo de forma bem-humorada, mas nunca de forma a desmerecer o tema. Às vezes falo de coisas, plantas e bichos, porque somos assim mesmo, feitos de tudo o que nos cerca, de toda a energia que nos envolve, quer você queira ou não. O centenário Oscar Niemayer, há não muito tempo falecido, resumiu tudo dizendo que “viemos ao mundo para amar”. Quando você estiver perto dos seus últimos suspiros não vai pensar em mais nada que não sejam seus amores, seus pais e irmãos, marido ou esposa, seus filhos, seus netos se tiver. Você não vai lembrar de quanto dinheiro ganhou, nem de que ano era seu carro em 2013. Vai lembrar do que viveu, do quanto foi feliz à sua maneira ou de quanto perseguiu a felicidade, procurando encontrá-la e encontrar-se (não necessariamente nessa ordem).
Estou de volta para devolver às pessoas o que tenho aprendido com elas. Estou de volta porque naquela noite havia um vento morno e, indo eu pela calçada, ela parou ali, bem na minha frente. Parecia querer me provocar. Olhei. Perfume? Não havia, ou eu que não havia conseguido sentir. Aquela folha passou esbarrando em mim, solta ao vento. Amarelada pelas tintas de um outono pintor, ela flutuava sem falar, parecendo querer dizer tudo. Às vezes sem falar dizemos tudo. Estou de volta. Não volto por mim nem pelas palavras. Volto pelas pessoas.