Recentemente a Receita Federal disse que os livros podem perder a isenção tributária porque ‘são consumidos pela faixa mais rica da população (acima de 10 salários mínimos)’. Poderia ser só uma gafe, mas tudo no governo Bolsonaro é projeto. No ano passado, o ministro da economia, Paulo Guedes, defendeu a reforma tributária e a taxação dos livros, falando com palavras diferentes o mesmo que a sua equipe confirmou em documento oficial.
O pensamento atrasado e elitista domina este governo desde a dita “ala ideológica” aos “ministros técnicos” como é considerado Guedes. Em sua declaração, fica clara a sua visão sobre a economia: ela deve estar a serviço de quem pode consumir, ou seja, privilegiar aqueles que já têm acesso à literatura. Mas até isso tem uma ponta de pensamento ideológico.
Ao dizer que só os ricos têm interesse na leitura, Guedes e sua equipe mentem. No estudo produzido pelo Instituto Pró-Livro de 2019, 76% dos entrevistados, de diferentes classes sociais, disseram gostar de ler. Entre os entrevistados definidos como a classe A, que reúne os mais ricos, os que “gostam muito” de ler eram 48% em 2015, e passaram para 42% em 2019. Enquanto os que não gostam saltaram de 10% para 17%, um número mágico e com tanta representatividade.
A recente crise do mercado editorial brasileiro ainda não foi superada. Muitas editoras pequenas fecharam as portas, há um evidente movimento de incorporação de mercados médios pelos grandes conglomerados e ainda hoje a literatura não chega à grande maioria da população brasileira. Não bastassem todos esses obstáculos, qualquer governo minimamente razoável faria o gesto de incentivar a leitura para que a literatura nacional se fortalecesse. Este não é o nosso caso.
Tornar a leitura um ato acessível e, mais do que isso, um direito garantido a todo e qualquer brasileiro é fundamental para o desenvolvimento de um Brasil melhor. Nos últimos anos fomos presenteados por grandes obras de autores que trazem narrativas originais que buscam reconstruir a nossa história. Em uma de minhas colunas anteriores falei de Torto Arado, de Itamar Vieira Junior. Assim como ele, temos tantos outros autores e autoras que nos brindam com histórias que emocionam, nos tocam e fazem com que a gente reflita sobre a sociedade.
Particularmente, a literatura sempre foi uma forma de expressão. Passei um bom tempo de minha vida sonhando com o dia em que me tornaria escritor. Os livros servem como um passaporte para lugares e dias melhores. E, convenhamos, qualquer lugar é melhor do que o Brasil de hoje. Talvez seja por esse motivo que querem retirar a isenção tributária nos livros, que hoje são os nossos melhores refúgios em meio a tudo isso que vivemos.