Cristiano Silva
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Divulgação
Matheus Raschen tinha 20 anos
Não há dimensão para a tragédia que assombrou o país, no dia 27 de janeiro de 2013, em Santa Maria. A Boate Kiss foi cenário de uma catástrofe sem tamanho, matando 242 pessoas, entre elas o jovem santa-cruzense, de futuro promissor, seja na área profissional ou esportiva, Matheus Raschen. Matheus faleceu no dia 31 de janeiro, quatro dias após a tragédia, depois de enfrentar uma batalha pela vida. Após um ano de luta, o pai Nestor Raschen nos contou como foi a batalha pela vida de Matheus e quanto o coração puro do jovem, fez o número de mortes em Santa Maria não ser ainda maior. “Jamais esperamos esse tipo de coisa. No dia 27 de janeiro do ano passado, fomos acordados de manhã pela namorada de um amigo do Matheus. Ela nos disse ‘houve um incêndio aqui em Santa Maria em uma boate, o Matheus estava nela, localizamos ele e ele está no hospital. Não sabemos do estado de saúde porque só familiares têm acesso às informações’. Eu não sei se foi a moça que foi muito delicada no telefone, mas acordamos muito tranquilos porque conhecíamos o Matheus, ele se cuidava muito, ele não iria se expor a esse risco e nós não sabíamos o tamanho da tragédia. Nós fomos muito tranquilos para Santa Maria e não sei de onde veio essa tranquilidade. Eu precisava estar tranquilo para dirigir. De propósito não sintonizei o rádio para não saber informações indesejadas, acho que foi mecanismo de defesa” enfatiza Nestor, que em contato telefônico pediu para os amigos de Matheus esperarem na entrada de Santa Maria para os levarem até o hospital. “No carro comigo e com a minha esposa foi um amigo do meu filho que foi revelando, pouco a pouco, mais informações. ‘A situação é bem séria, já se fala em 70 mortos’ disse ele, bem, aí eu gelei, mas logo pensei, se ele está no hospital então não está entre os mortos. Chegamos até a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) e lá nos apresentamos como os pais do Matheus. Nos disseram que o estado dele era grave, perguntamos qual a chance de sobrevivência, nos disseram mais ou menos, aí me alcançaram objetos dele. A identidade intacta, o celular intacto, e isso era uma boa notícia. Depois me entregaram a carteira de dinheiro e, quando eu apertei, estava encharcada de água. Com certeza, porque (os Bombeiros) foram com água pra cima dele pois ele estava no meio das chamas. Depois tivemos a oportunidade de vê-lo e em um primeiro momento tivemos dificuldade de reconhecê-lo, o rosto estava muito inchado”, revela Nestor, que após um período em Santa Maria, logo no início da tarde já estava em Porto Alegre para acompanhar o tratamento de Matheus, que fora de helicóptero para a capital.
RECONSTITUICÃO DOS PASSOS
Rolf Steinhaus
Para Nestor Raschen, tragédia serve de lição para jamais
acontecer algo semelhante novamente
Segundo Nestor Raschen, o atendimento foi bom. “Dentro daquele caos, a atuação foi muito boa. Como o Matheus entrou mais de uma vez para tirar pessoas de dentro da boate, foi inalando cada vez mais fumaça. Ele teve o corpo parcialmente queimado e muita inalação da fumaça. As duas coisas se juntaram e prejudicaram o quadro de saúde dele, que ao chegar a Porto Alegre já se encontrava sem função renal. Com os rins não funcionando, tiveram que fazer hemodiálise. Foram muitos procedimentos que eram necessários, porém eram agressivos ao organismo. Então, a pressão arterial caiu e houve uma parada cardíaca”, que tirou a vida do jovem santa-cruzense.
Segundo Nestor Raschen, uma semana antes da tragédia, Matheus, ao lado de sua turma, fizeram uma festa no mesmo local para angariar fundos para o curso. No dia do ocorrido, Matheus foi a uma formatura de uma amiga. Após a festa, diversas meninas quiseram ir à outra boate e convidaram Matheus para irem com elas, porém o santa-cruzense quis ir à Kiss, e uma das meninas o acompanhou. “Depois eu pude fazer uma reconstituição dos passos do Matheus. Quando ele e a amiga chegaram ao local, a boate estava superlotada, então ficaram perto da porta de saída. Depois de uns 15 minutos a amiga disse que estava cansada, iria embora. Enquanto isso, a banda estava se preparando para tocar” revela Nestor. Matheus então preferiu ficar sozinho na festa e ainda emprestou R$ 10,00 para a amiga ir embora de táxi. “Não parecia ser o Matheus. Normalmente ele então diria ‘vou junto contigo te levar em casa rachar o táxi’ ou algo do tipo. Esse era o normal dele, pois eu sempre o orientava a levar amigas ou amigos em casa para se certificar da segurança. Naquela noite particularmente, ele não fez isso. Parece que era pra ser aquele momento, pois quando começou o tumulto, ele foi um dos primeiros a sair, mas ele, com outros meninos, ficaram para tirar mais pessoas, e foram traídos pela fumaça tóxica”.
HOMENAGENS
Rolf Steinhaus
Troféu da Federação de Basquete com seu nome e rua, localizada em Linha João Alves em Santa Cruz do Sul,
foram algumas das homenagens que Matheus recebeu ao longo do ano
Segundo Nestor Raschen, Matheus recebeu inúmeras homenagens de diversas pessoas e entidades. “Eu conheço Santa Cruz e inúmeras pessoas importantes que infelizmente perderam sua vida, mas não vi ninguém receber tantas homenagens como o Matheus. Logo no início de fevereiro, fizemos uma caminhada pela vida aqui em Santa Cruz. Na sequência veio uma homenagem da Prefeitura de Campo Mourão no Paraná, onde o Matheus jogou. Deram o nome dele para uma rua da cidade através de um projeto de um vereador local. Em março, o Armandinho fez um show na Unisc e dedicou sete minutos ao Matheus e à estudante de Medicina da Unisc, a Julia Cristofali Saul, que também faleceu na tragédia. A Federação Gaúcha de Basquete colocou o nome do troféu do campeonato de Matheus Raschen. Um grupo de estudantes do Técnico em Enfermagem do Dom Alberto fez uma homenagem também. Mais tarde, a Câmara de Vereadores deu o nome do Matheus para uma rua em Santa Cruz, uma rua clara, aberta, do jeito que o Matheus era”. Amanhã, 2 de fevereiro, às 9h30, na Igreja Evangélica Centro, irá ocorrer o Culto em Memória do 1º ano do falecimento de Matheus.
Para não deixar cair no esquecimento, Nestor e um pai de São Paulo criaram uma comunidade “Somos Todos Santa Maria” e promovem várias ações. “A Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria também realiza e promove diversas atividades, tudo no sentido de não cair no esquecimento e saber que Santa Maria foi o local, mas que poderia ter acontecido em qualquer outro. Queremos que isso sirva de lição, uma tão dolorosa lição, para que isso não se repita em nenhum lugar do mundo. Tivemos casos na Argentina e Rússia e eles não foram suficientes para nos alertar sobre a fiscalização nesses espaços. Esses dias de lembrança são pesados para recordar tudo isso, mas queremos que não se repita, queremos que os responsáveis sejam punidos” completa Nestor, finalizando: “Temos que tocar a vida em frente. O fardo é mais pesado do que podemos carregar, mas se tem muita gente pra carregar ao teu lado, ele fica mais leve. Vai se fazer justiça. Aqui no Brasil demora mais tempo, mas vai acontecer, pois o clamor popular é forte. Queremos que a justiça seja feita e não aconteça nunca mais. Se conseguirmos isso, estaremos honrando a memória de todos os que se foram nessa tragédia”.
Que sejam honrados.
Rolf Steinhaus
Nestor se emociona ao rever as fotos marcadas do filho no Facebook