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Oscar | Pivot, da santa-cruzense Ana Gusson, está qualificado para a premiação de 2024

Por tempo limitado, o curta de animação está disponível na plataforma do Youtube

Ana Gusson esteve em diversos festivais de cinema, exibindo Pivot
Divulgação

Lucca Herzog
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Sozinha em seu quarto, uma menina tem sua identidade abalada quando a mãe entra em cena, e lhe entrega um vestido de festa rosa. Sob raiva e frustração, enquanto sonha em vestir outra roupa, ela vê, aos poucos, o vestido tomar formas aterrorizantes. Essa é a história de Ashley, personagem do curta de animação Pivot (Pivô), da santa-cruzense Ana Gusson.
Produzido em Vancouver, onde agora mora a diretora, o filme foi qualificado para o Oscar 2024, e vem fazendo sucesso em diversos festivais de cinema. É uma visão infantil, simples, mas esclarecedora de conflitos internos que muitos podem identificar, como uma lupa sobre detalhes muitas vezes negligenciados. Por tempo limitado, a obra está disponível na plataforma do Youtube: (https://www.youtube.com/watch?v=rJu0xRbNOXo&t=42s). Em entrevista, a diretora esclareceu alguns pontos da narrativa, da produção e de sua relação com a recepção do público.

Entrevista – Ana Gusson

Pivot foi qualificado para o Oscar. A quê, ou a quem, tu atribuis essa marca?

É um conjunto de fatores. Desde que recebi o roteiro eu sabia que estávamos lidando com uma história muito especial, porque ela ressoava com todas as mulheres que entrevistamos no processo de seleção da equipe – todas somos a Ashley. Em função disso, eu me propus a criar um espaço de trabalho em que todas pudessem se sentir à vontade para dar ideias e acho que isso elevou muito a qualidade final do produto. Acho que o charme do Pivot, pra além do visual fofo, está nessa combinação do trabalho coletivo e na fácil identificação com a história.

Como o curta representa a tua trajetória como animadora e diretora?

O curta representa uma fase de transição e recomeço na carreira, este foi o meu primeiro trabalho profissional como Diretora em um projeto de animação. E isso aconteceu por meio do programa de treinamento que financiou o filme: o ACE Program. Que é um programa educacional com o objetivo de treinar e capacitar mulheres na indústria da animação que querem avançar nas suas carreiras. Eu já trabalhava como animadora há uns sete anos e me identifiquei com essa causa e me inscrevi para o cargo de Direção. Após a seleção, eu tive treinamentos e mentorias pra que então me sentisse mais segura na hora de ocupar o cargo de Diretora e executar o filme com a equipe. Não só os treinamentos, mas também fazer o filme foi um processo de aprendizado muito grande. Por causa do programa e do filme, pude aplicar pra vagas de emprego que eu nem imaginava ser capaz de alcançar em tão pouco tempo e hoje trabalho como Diretora em projetos de animação no estúdio Kickstart Entertainment em Vancouver, no Canadá.

Presente em diversos festivais, o Pivot esteve também aqui, na mostra do Festival de Santa Cruz do Sul. Como tu estás te relacionando com a recepção do público em geral, e com essa lembrança na tua cidade natal?

Sim! O curta fez sua estreia no Brasil no Festival de Cinema de Santa Cruz do Sul em Maio de 2022 e isso tem um significado muito especial para mim. Eu me mudei para o Canadá em 2015 e vivo em Vancouver desde então. Mas a saudade é grande e sinto que uma parte de mim vive em desconexão… entre lá e cá. Então essa oportunidade de exibir o curta em Santa Cruz do Sul foi um sonho realizado, pena mesmo que não pude estar presente pra sentir essa conexão em pessoa. Mas eu retorno pra casa todo ano e ainda sonho em poder voltar e trabalhar do Brasil.
O público em geral tem respondido ao filme muito positivamente, é impressionante a quantidade de pessoas que falam que se identificam muito com o filme. Eu adoro ouvir as diferentes histórias que surgem a partir disso. Inclusive, achava que ressoaríamos só com mulheres, mas muitos homens também vêm nos contar de suas experiências. Um rapaz nos contou das aulas de futebol que frequentou por muuuitos anos enquanto criança até finalmente ter coragem de falar para os pais que ele queria mesmo era jogar basquete.

Sobre a personagem da narrativa, Ashley, que parece tão real, e com que muitas pessoas podem se identificar, mesmo tendo suas características singulares: como foi “construí-la” e desenvolvê-la?

A roteirista do filme, Robyn Campbell, escreveu o filme a partir de uma experiência pessoal dela e de uma amiga de infância (aliás, o real vestido monstro dela pode ser visto nos créditos do filme). E o que me chamou a atenção no roteiro logo de cara foi justamente esse senso de identificação com a personagem que a história possui, ou seja, mesmo sendo uma questão pessoal e muito específica dela, eu rapidamente consegui me ver no lugar da personagem – então eu quis apostar nessa característica da história de ser meio camaleão: todo mundo um dia já foi a Ashley.
Por se tratar da história pessoal da Robyn, alguns elementos eram muito importantes pra ela, por exemplo a dificuldade da personagem de expressar seus reais sentimentos na frente da mãe, por medo de magoá-la. Então tentei respeitar isso ao máximo e evitar desenvolver uma situação de confronto ou briga entre as duas, isso nunca foi cogitado. Aliás, trabalhamos muito para não vilanizar a mãe e encontrar uma forma de mostrar uma mãe que teve a melhor das intenções, apenas não soube ler os sinais da filha antes.
Pessoalmente, eu não tive um vestido monstro, mas houve outras situações em que eu me senti como a Ashley, então trabalhei bastante por esse viés íntimo e conversei muito com a minha mãe no processo. Também pude acompanhar uma sobrinha e uma prima que estavam numa idade parecida com a da Ashley (11 pra 12 anos), pra identificar alguns nuances do comportamento pré-adolescente. E talvez isso pareça estranho, mas depois que definimos algumas características básicas da personagem, é possível fazer escolhas sob a “perspectiva dela”.
O visual da Ashley surgiu com a chegada da Diretora de Arte, Cindey Chiang, que possui um estilo de desenho de livro infantil ilustrado. Queria muito manter essa qualidade meiga do design dela na personagem. Exploramos muitas possibilidades no design, mas quando a Cindey apresentou aquele formato do cabelinho, foi um clique instantâneo: essa é a nossa menina.