Uma Vera-cruzense esteve no Azerbaijão integrando a delegação brasileira que participou da COP 29, a Conferência das Partes, reunião anual da Organização das Nações Unidas (ONU), sobre as mudanças climáticas do Planeta, que aconteceu entre os dias 11 e 22 de novembro no país asiático.
Doutoranda em Educação pela Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), Carine Wendland, de 26 anos, atuou como delegada da Federação Luterana Mundial, e respondeu alguns questionamentos do Riovale Jornal sobre sua participação neste importante evento.
ENTREVISTA
Carine Wendland, participante da COP 29
RIOVALE JORNAL – Como surgiu a oportunidade de participar da COP 29? Esta foi a primeira vez que você participou de um evento dessa magnitude?
Carine – Eu participei em 2022 da COP27 de maneira on-line, em 2023, estive na COP28 em Dubai e este ano em Baku Azerbaijão. Sempre como delegada da Federação Luterana Mundial – FLM. A Federação é uma comunhão de 150 Igrejas membro que está em 99 países, destes 34 são vulneráveis climáticos, assim, ela está comprometida com a justiça climática desde 1977 e tem refletido e agido continuamente sobre a responsabilidade ecológica e justiça climática.
RJ – Como foi participar das reuniões do evento? Quais assuntos você conseguiu levar para as reuniões?
Minhas principais participações foram em alguns painéis, dentre eles um diálogo intergeracional – fé em ação pela justiça climática no pavilhão da fé, fui facilitadora de um evento de empoderamento das comunidades de fé para uma ação climática coletiva no pavilhão Commonwealth e participei de uma conferência de imprensa junto com outras lideranças religiosas do Conselho Mundial de Igrejas, ACT Alliance e outros. Além disso, se acompanha reuniões oficiais sobre os temas em pauta.
RJ – Qual a avaliação que você faz da COP 29? Você acredita que ações concretas para melhorar a situação climática do Planeta podem ocorrer a partir destas discussões?
Esta COP, considerada do financiamento, não entregou tanto quanto se esperava. O antigo acordo de US$ 100 bilhões anuais – que conforme texto oficial pode ter sido cumprido uma vez ou nunca – foi substituído pela Nova Meta Quantitativa Qualificada – NCQG num valor de US$ 300 bilhões anuais e não os US$ 1,3 trilhão necessários e exigidos pelos países em desenvolvimento que sofrem pela emergência climática causada pelos países ricos.
Todos os dias tinham manifestações do lado de dentro exigindo um financiamento justo por “Trillions, not billions” trilhões e não bilhões, já que é necessário 1,3 trilhão por ano para que se chegasse entre 5,1 e 6,8 trilhões – o necessário para os países em desenvolvimento se adaptarem à emergência climática.
Mesmo o texto final reconhecendo isso, como resultado da COP temos então uma nova meta que prevê um aumento gradual nos fluxos financeiros globais destinados à mitigação e à adaptação climática até 2035. Certamente se espera que esses números saiam do papel e garantam um financiamento justo aos países que menos poluem, mas que mais sofrem em consequência dos mais ricos.
RJ – Recentemente, o RS passou por tragédias climáticas que resultaram em mortes e inúmeras cidades atingidas, com milhares de afetados. Você conseguiu contar essa experiência para seus pares de outros países?
Sim, este ano vivemos situações extremas no Brasil que com diversos companheiros eu compartilhava, inclusive em painéis nos quais eu tinha falas. Os extremos são transformados em números: 183 pessoas perderam a vida e outras 27 pessoas seguem desaparecidas no Rio Grande do Sul, o maior número de mobilidade climática na história recente do Brasil, quase 95% das cidades do Rio Grande do Sul, afetadas pelas enchentes, 630 mil pessoas perderam suas casas, 8 mil indígenas foram afetados, com 70% dos territórios indígenas atingidos. Por outro lado, a seca mais extensa que afetou 55% do território brasileiro, 11 milhões de hectares foram queimados entre janeiro e agosto deste ano, de todas as queimadas da América do Sul, 71,9% estão no Brasil, além da Amazônia foram atingidos os biomas do Cerrado e da Mata Atlântica e quase todo o país coberto de fumaça, assim como partes de outros países sul-americanos.
Ao mesmo tempo, percebemos que as perdas e danos econômicos foram rapidamente contabilizados, são enormes e estão em toda a mídia, e as perdas e danos não econômicos que não podem ser reparados? Quantas mortes das mais diversas formas de vida, os animais, foram contabilizadas como danos econômicos. Um território é também território de uma cultura, quando esse território se perde, também a cultura e a língua são afetadas.
Quando todo o país virou fumaça, aprendemos que as cidades já estão suficientemente cinzentas e que precisamos de uma consciência coletiva de cuidado, quando o que temos é um inconsciente coletivo de destruição e de somos mais que a natureza, quando na verdade somos natureza.
RJ – Como você citou no release, foi a “COP do financiamento”. Na sua opinião, o financiamento global para o clima é satisfatório? Em quais áreas o Brasil precisa investir para melhorar sua situação climática para que eventos como as enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul possam ser combatidas e, quem sabe, evitadas no futuro?
O financiamento global é satisfatório, na minha percepção, quando ele é cumprido. E é urgente que países ricos e os maiores emissores, não somente “contribuam”, como arquem com os efeitos que chegam até os países em desenvolvimento. Sabemos que as alterações climáticas afetam desproporcionalmente os meios de subsistência dos mais pobres e mais vulneráveis em todo o mundo, especialmente daqueles que muitas vezes enfrentam várias formas de discriminação e marginalização, como as mulheres que vivem na pobreza, os jovens, as crianças, as pessoas com deficiência e os povos indígenas. As alterações climáticas são uma questão de justiça.
O Plano Rio Grande (Lei 16.134, de 24 de maio de 2024) é o programa de Reconstrução, Adaptação e Resiliência Climática do Rio Grande do Sul, que propõe medidas para atenuar os impactos causados pelas enchentes que assolaram o Estado em 2024 e apresenta diversas estratégias para o enfrentamento das mudanças climáticas como o Plano de Governança Climática, o Projeto de Pesquisa Técnico-Científica, Roadmap Climática, Pagamentos por Serviços Ambientais, Fórum Gaúcho de Mudanças Climáticas e Qualidade do ar: monitoramento automático. Todavia, os avisos já estavam aí, foi necessário acontecer uma catástrofe climática para então adaptação e resiliência de todo um estado que precisou perder muito em termos econômicos e não-econômicos. A agenda do estado traça um mapa estratégico para o período de 2023 a 2026 para reduzir as emissões de carbono em 50% até 2030, todavia considero necessário que ele esteja alinhado com o plano nacional, que nesta COP29, colocou metas mais ambiciosas nas suas NDC – Contribuições Nacionais Determinadas como compromisso de reduzir os gases de efeito estufa de 59% a 67% até 2035.
Reuniões sobre o clima em que Carine atuou:
- 19/11 – “Faith in action for climate justice: an intergenerational dialogue” – no pavilhão da fé como participante da mesa.
- 19/11 – “Press Conference World Council of Churches (WCC): Interfaith climate justice movement preparing for COP30” – sala de Conferência de Imprensa Natavan como participante da mesa.
- 20/11 – “Empowering faith communities for collective climate action” – no pavilhão Commonwealth como facilitadora.