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O terrorismo e o aparente conflito de civilizações

Uma das formas de analisar o recente atentado contra chargistas e humoristas do jornal francês Charlie Hebdo por terroristas muçulmanos é considerá-lo como um episódio a mais dentro do conflito de civilizações entre a civilização ocidental e a civilização islâmica. Sob esse prisma, terroristas muçulmanos fanáticos cometeram o atentado contra um órgão da imprensa ocidental motivados apenas por razões religiosas e culturais.
A tese do “choque de civilizações” vem sendo proposta, entre outros, pelo cientista político norte-americano Samuel Huntington. Para ele, após o término da guerra fria, os grandes confrontos mundiais não se assentam mais em razões ideológicas ou econômicas e sim em razões culturais e religiosas. As civilizações ocidental e islâmica são no atual período histórico as únicas civilizações com pretensões de universalidade e estão em choque entre si.
Esse enfoque serve para justificar investimentos militaristas e atitudes preconceituosas contra os muçulmanos, atiçadas a partir do atentado terrorista contra as torres gêmeas em Nova Iorque, naquele fatídico 11 de setembro de 2001. A partir de então, muçulmanos e árabes em geral, especialmente os imigrantes na Europa e Estados Unidos, são vistos como um perigo potencial. Na mídia, no cinema, na internet vemos reproduzida essa ideia de que estamos diante de uma opção dual: o estilo de vida moderno e as instituições democráticas ocidentais versus o estilo de vida pré-moderno e as instituições autoritárias islâmicas.
Sem desconsiderar a influência de fatores religiosos e culturais, é preciso enxergar o terrorismo atual sob outras lentes. O terrorismo não é uma questão religiosa ou cultural. É um fenômeno associado às relações políticas e econômicas que as grandes potências mantêm com a periferia capitalista, que se reflete na atual forma de globalização, geradora de desigualdades e pobreza mundo afora.
O livro “Jihad x McMundo: como o globalismo e o tribalismo estão transformando o mundo”, de Benjamin Barber (Record, 2003), apresenta uma boa abordagem a respeito do terrorismo. Barber mostra que ao invés da polarização entre civilização ocidental e islâmica, há outra polarização: as forças da modernização e da globalização econômica e cultural representadas pelas potências capitalistas ocidentais (McMundo) versus as forças do tribalismo desagregador e do fundamentalismo reacionário (Jihad). Não é uma luta entre mocinho e bandido. São duas forças anti-democráticas.
O terrorismo é uma reação de setores radicais da Jihad contra o McMundo. É uma reação perigosa e anti-democrática, a ser enfrentada com meios adequados. Esses meios adequados, mais do que militares, são políticos. Isso porque o fermento do terrorismo está no plano político e econômico: a ausência de verdadeiras relações democráticas favorece o desenvolvimento das ações terroristas.
Parte da população do terceiro mundo aplaude o terrorismo, porque o vê como um ataque contra as forças da injustiça. O clima de desespero e de revolta das populações da periferia capitalista alimenta o terrorismo, conferindo-lhe uma espécie de legitimidade que ele não merece, diz Barber.
A luta contra o terrorismo só pode ser vencida no terreno da política democrática, com a globalização da democracia.