Ricardo Gais
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Éder Silveira e Everton Simon são um casal homoafetivo que já estão juntos há seis anos, mas casados há quatro e, após terem comprado a própria casa, passaram a sonhar em adotar uma criança, uma menina que se tornaria filha do casal. Toda essa ideia surgiu em uma viagem ao estado de Goiás, em 2016, quando decidiram que iriam iniciar o processo de adoção, já que era um desejo do casal.
Éder comenta que após darem entrada com a documentação participaram de todo um processo, que incluiu entrevistas com assistente social e momentos com uma psicóloga do Fórum de Santa Cruz do Sul. “Ela é uma excelente profissional e nos preparou muito bem, soube conduzir o nosso processo com muita sabedoria e sensibilidade”, destaca. O casal passou pelo processo de habilitação e da fila de adoção. “Todo o processo, até conhecermos nossa filha, durou sete meses. Foi muito rápido. Imaginávamos que levaria anos”.
A adoção ocorreu em 2018, quando a psicóloga do Fórum entrou em contato com o casal informado que havia uma menina de seis anos para eles conhecerem. A conversa inicial com a psicóloga foi franca e detalhou a história e perfil da menina e na mesma conversa conheceram a criança por algumas fotos. A partir de então, foi estabelecido procedimentos para a aproximação do casal com a criança que estava em um abrigo. “Ficamos cerca de 30 dias indo diariamente no abrigo para conviver com ela, fazer leituras, desenhos, brincadeiras. Alguns momentos foram mais difíceis por conta de todas as inseguranças que uma criança apresenta ao ter contato com desconhecidos. Era uma sensação muito boa estar perto dela. Aos poucos fomos fazendo passeios, visita e até que, naturalmente, ela passou a nos chamar de pai e demonstrou não querer mais retornar ao abrigo”, disse Everton.
O casal considerou o processo de adoção rápido por se tratar de uma adoção tardia. O processo foi realizado todo junto ao Fórum de Santa Cruz com o Juizado da Infância e Juventude. “Fizemos algumas sessões de terapia de casal para definir o perfil da criança. Inicialmente um de nós queria uma criança mais nova, com menos de seis anos, enquanto o outro já tinha certeza quanto à adoção tardia. Ter feito isso foi muito bom, pois o formulário de adoção faz muitas perguntas que colocam dúvidas no casal”, destaca Everton.
Atualmente a menina está quase completando nove anos e os pais consideram a convivência com a filha muito boa. “Parece que estamos juntos desde sempre. Os laços são muito fortes. É uma filha muito amorosa e inteligente. Aprendemos muito juntos”.
Os pais comentam ter sentido muita emoção quando finalmente a menina estava oficialmente registrada. “Nos sentimos muito felizes, pois desde o primeiro dia ela já fazia parte de nossa família. Sentimos muita emoção ao receber a certidão de nascimento contendo o nome e o sobrenome dos dois pais. Não é só o adulto que adota, ele também é adotado pela criança e isso é amor recíproco”, comenta Everton.
O casal optou por contar à família e aos amigos sobre a adoção apenas depois do início do processo em que foram chamados para conhecer a filha. “Recebemos muito apoio e carinho. Decidimos fazer assim para evitar que alguém interferisse no nosso processo e nas nossas escolhas”.
Éder relata que apesar dos avanços nos direitos iguais, o casal ainda percebe preconceitos por alguns santa-cruzenses, mas destaca que nunca sentiram esse preconceito na instituição onde são professores e na escola onde a filha estuda. “Quando ela chegou em nossas vidas, ainda muito pequena, ela precisava de ajuda ou que alguém a acompanhasse até um banheiro e vimos que os espaços que frequentávamos em Santa Cruz, como lojas, pizzaria e restaurantes, não têm banheiros para família. Sentíamos certo constrangimento gerado pelo espaço. Por vezes tínhamos que pedir para que uma desconhecida pudesse ajudar nossa filha no banheiro feminino porque, culturalmente, não havia uma autorização e um espaço para que pudéssemos fazer isso”.
Os pais também relatam que outra situação comum é, em muitos convites de aniversário, apenas a filha ser convidada. “Quando vamos buscá-la no final da festa vemos os outros pais saindo com seus filhos e pensamos: por que não estivemos ali também com nossa filha?” Mas, certamente, o pior momento foi em uma consulta recente com uma médica em Santa Cruz que já no início da consulta disse: Como assim ela tem dois pais?!”.
Neste ano também completou-se 10 anos desde a primeira adoção de uma criança por um casal homoafetivo no Brasil. Everton e Éder disseram que esse ato representa esperança quanto ao reconhecimento da existência de todas as formas de amor e de família existentes. Ao mesmo tempo, representa uma conquista ainda em construção diante dos ataques e das ameaças que a população LGBTQIA+ vem sofrendo no Brasil.