Em outras colunas falei aqui sobre a ditadura militar. Mas como podemos descrever o que foi esse período para além da tortura, dos assassinatos, do silenciamento e da ausência de liberdades? A ditadura foi, mais do que tudo, um pacto de impunidade em que alguns ganharam.
É possível dizer que esse pacto deu tão certo que até hoje existe o mito da eficiência militar. Em tempos de generais atolados em suspeitas de corrupção, é importante lembrar que a ditadura foi isso: um pacto de impunidade. Sem imprensa, sem questionamentos, sem liberdade, não havia espaço para investigar indícios de corrupção. No entanto, com uma breve pesquisa se verifica que a ligação de empresários e empreiteiras se fortaleceu em governos militares.
Justamente por isso soam perigosas as declarações de Braga Netto e Bolsonaro. São declarações que deixam evidente algo: militares não querem ser fiscalizados, se sentem acima da lei e de qualquer suspeita. Mais do que isso, não aceitam ser questionados. Por isso, o revide aos trabalhos da CPI da Covid-19 no Senado Federal me faz lembrar de que não é preciso de muito para um golpe militar.
Este parece ser o grande objetivo de Jair Bolsonaro, que tumultua a democracia ao colocar em xeque a credibilidade das urnas e pedir o voto impresso. Há semanas, a pauta política no Brasil é o voto impresso. Enquanto isso, 15 milhões estão desempregados, seis milhões desistiram de procurar emprego e 34 milhões estão na informalidade. São dados do IBGE, não são dados tirados de correntes do WhatsApp. A gasolina chegou ao patamar de R$ 6,20. Ao todo, foram 103 aumentos de preço, com uma alta de 73%. O gás aumentou 57% desde que Bolsonaro assumiu a presidência e acumulamos um aumento de 39% no diesel. Com tanta gente passando fome, com a pobreza aumentando, Bolsonaro sequestra o País para si, exigindo como resgate que todos aceitem participar de seu plano para fraudar as eleições de 2022.
Ao fazer isso, o presidente atenta contra os demais poderes e instituições. Ao mesmo tempo em que pede “transparência”, coloca sob sigilo dados sobre o cartão de gastos da Presidência, o seu cartão de vacinação, entre outros dados que deveriam ser públicos. O discurso está longe da prática, mas, convenhamos: o bolsonarismo nunca teve proximidade com a coerência.
O risco dos golpes surge com pessoas que se acham acima da lei. O risco dos golpes acontece a partir do momento em que aceitamos o inadmissível. Bolsonaro e as Forças Armadas praticam um assalto à democracia em câmera lenta, bradando aos quatro ventos os seus planos, enquanto o Judiciário e o Legislativo cruzam os braços e emitem notas de repúdio. Grande parte da burguesia continua acreditando que ele faz um bom governo. As mais recentes pesquisas inclusive mostram essa percepção: para pessoas com renda maior do que cinco salários-mínimos, a aprovação de seu governo cresce. Entre os mais pobres, Bolsonaro perde para todos os seus adversários. É a velha e dura luta de classes escancarada em um País que passa fome.
É por isso que mesmo tendo sido eleito consecutivamente como deputado federal e ter eleito toda a a sua família, Bolsonaro nega as urnas e pede o voto impresso. Histórias como essas de deputados eleitos pelo voto eletrônico assim como toda a sua família não estão tão longe de nossa realidade: existe até mesmo deputado da região que esteve recentemente em Santa Cruz do Sul, participando de uma manifestação bolsonarista pelo voto impresso. Resta perguntar: as eleições anteriores foram fraudes, portanto? As urnas não eram seguras antes? Então seria interessante que estes que se elegeram com o voto das urnas entregassem seus mandatos e restituíssem os cofres públicos.
Pode não parecer, mas esse pensamento que coloca em xeque tudo aquilo que se construiu em nossa democracia é extremamente perigoso. Se nossa democracia não é plena e falha, pior ainda com aquilo que pode acabar se transformando. Estamos há 15 meses das eleições de 2022 e elas podem não acontecer. Só não podemos dizer que não fomos avisados.