Você tem filhos? Se não tem, imagine como se tivesse pelo menos um(a) filho(a). Agora imagine que este(a) seu(sua) filho(a), ainda criança, pegasse um copo de leite e, sem querer, deixasse cair no chão, e o leite escorresse pelo piso até alcançar o tapete da sala. Certamente você teria alguma reação, no mínimo a de juntar os cacos de vidro. Além disso, teria cinco alternativas a escolher:
a) bateria no(a) filho(a), pois assim ele(a) vai aprender que não se deixa cair copos;
b) faria de conta não ter visto o que aconteceu e só limparia mais tarde quando ele(a) não percebesse você limpar;
c) aproveitaria para dar uma aula de física explicando a lei da gravidade, a cinética dos sólidos e a conservação dos líquidos;
d) conversaria com ele(a) explicando que o preço do leite está caro, e pedindo para não fazer mais isso.
Não sou ninguém para julgar os outros. Julgar é para profissionais da jurisprudência que, respeitáveis, o fazem com propriedade. Se eu conhecesse a sua história e o seu conjunto de vivências, entenderia você se escolhesse ou não uma das opções acima. Mas eu havia falado que eram cinco as alternativas. E qual seria a outra? A quinta alternativa seria você ir ao chão logo depois dele(a) ter caído e, após retirar todos os cacos de vidro, brincar com ele(a). Fazer de conta que aquele leite derramado era um riozinho de águas brancas (leite), que as águas escorriam sempre até encontrar um grande mar (tapete), mas que para isso aquelas águas não poderiam se dispersar, o foco delas era alcançar o mar. Para isso elas precisavam ter margens, limites laterais. A possibilidade de alcançar o mar imenso era uma prova de que podemos buscar o infinito, o que alguns chamam de impossível. Saber como este infinito pode ser tocado, medido ou sentido não é uma questão para o agora, é uma osmose do tempo. Agora é preciso saber que ele existe, e que andar no sentido da sua busca requer limites e foco. Foco não é uma causa pontual, específica, e ter limites não são visões estreitas do que se faz. Foco é intensidade, dedicação e perseverança em tudo, e ter limites é doutrinar a disciplina, a ética, os bons costumes.
Quando seu(sua) filho(a) for adulto(a) e pagar um preço caríssimo pelo leite, como o que pagamos hoje, talvez ele(a) lembre daquele copo que um dia deixou cair no chão. Então, ele(a) terá cinco alternativas:
a) nunca mais comprar ou tomar leite;
b) achar que a vida não é um mar de leites, mas um mar de rosas, e deprimir-se no dia em que descobrir que isso não é verdade;
c) concluir que ciência só tem valor se for ética, que adulterar leite com conservantes de forma ilícita é crime;
d) seguir pensando pouco numa sociedade regrada pelo valor do consumo, e não do altruísmo, das alternativas por inovações, do exercício e descobertas constantes das capacitações pessoais.
Não sou ninguém para julgar os outros, não sinto falta de com isso compensar alguma falta de autojulgamento. Se um dia eu vir a conhecer a história do(a) seu(sua) filho(a), e o conjunto de suas vivências, certamente entenderei se ele(a) vir a escolher ou não uma das opções acima. Mas eu havia falado que eram cinco as alternativas. E qual seria a outra? A quinta alternativa seria usar as experiências pessoais para nunca subestimar a inteligência de uma criança, motivá-la para que, orientada, desenvolva ela mesma suas capacitações. Quando, já adulta, o rio encontrar o mar, terá valido cada caco de vidro quebrado no caminho e juntado um a um. Se o rio da vida desconhecer os limites das margens e, dispersa, não saber para que lado fica o mar, não adiantará chorar pelo leite derramado, isso não parece ser uma sexta alternativa. Hã? Você só ensinou a usar copos de plástico? A vida não é de plástico.