Até o final do ano ou, o mais tardar, no ano que vem, estaremos vacinados e a pandemia começará a ser controlada. Sairemos de trás das máscaras e tomaremos conta das ruas plenamente. Retomaremos até as nossas atividades menos nobres. Com o vírus dominado, o resto do mundo viverá uma euforia de consumo que impulsionará as economias, inclusive a nossa, um País exportador, e fará a alegria dos governos, mesmo daqueles que não mereceram.
É possível que o convívio social retome sua dinâmica anterior, com as pessoas chegando na nossa casa sem avisar e nem dar tempo para o corre-corre de arrumar a sala e socar as coisas em qualquer canto fora da visão. No restaurante, o cara da outra mesa voltará a encostar a cadeira na sua, que balançará no ritmo do tique nervoso dele. Por um daqueles mistérios da natureza, o cinema terá sobrevivido e nos submeteremos ao anacronismo de um filme sem controle remoto. Algumas empresas entenderão que vale a pena voltar a abrir as portas, literalmente, aumentará o preço do aluguel e aquela casa no litoral voltará a ficar deserta.
Os “não-negacionistas” poderão voltar às ruas, agora no sentido político, e ainda não se sabe bem o que vão querer. Os trabalhadores perceberão que sua aposentadoria, seus direitos e o poder aquisitivo do seu salário não voltaram ao normal, pois isso não tinha nada a ver com a pandemia. Que azar…
Antes de esquecer de tudo, você olhará para o lado e na outra ponta do sofá estará o pet adotado durante a quarentena e você pensa se deveria cancelar a assinatura. Mas não é um streaming e tampouco você deseja fazê-lo. Você o ama, lembra? Você aprendeu umas receitas novas e um jeito novo de lavar a louça. Você não tem mais roupa de sair.
Para nós mortais, a euforia durará o vencimento do cartão. Mas vai ser bom olhar pra fora e ver o progresso. As coisas se mexendo freneticamente e no meio delas as pessoas que engrenaram no tic-tac, até o último tac. Bem que algumas coisas poderiam permanecer, como o distanciamento na fila, as comidas protegidas no restaurante, o direito de não reconhecer alguém, adquirido em quase dois anos de uso de máscara, enfim…
Até o final do ano ou, o mais tardar, no ano que vem, nós, os “idiotas” que cumpriram algum tipo de isolamento social, na fala do presidente, decretaremos uma normalidade que já não se reconhecerá em si mesma.