Causou furor nas hostes corporativas do Ministério Público a fala de Augusto Aras em entrevista a um grupo de juristas chamado “Prerrogativas”. O atual Procurador Geral da República é a esfinge e o próprio enigma. Sua escolha, pelo Presidente da República, apesar de legal, contrariou um “costume constitucional” em consolidação desde 2003, ao desprezar a lista tríplice oferecida pelos pares. O sufrágio dessa lista é um marco da autonomia e empoderamento do Ministério Público brasileiro neste começo de século.
Já em seus primeiros passos, Aras foi bastante criticado por uma indesejável proximidade com o comando do Executivo, de tal sorte que o presidente Bolsonaro o apresentava como um integrante da equipe. Obviamente, sobraram desconfianças quando entraram em pauta assuntos relacionados às investigações que envolvem membros da família presidencial. Assim como, pela ginástica jurídica que realizou para não processar o presidente por ofensas ditas e repetidas contra a ex-presidente Dilma, ou quando, em um velho estilo populista, colocou sob suspeita o processo eleitoral da lista tríplice. Também uma vaga no STF, antes ambicionada pelo ministro demitido Sérgio Moro, paira no ar como misterioso incenso.
São surpreendentes os dados trazidos pelo PGR durante a referida entrevista, na qual denuncia o escritório de arapongagem em que se tornou a força-tarefa da Lava-Jato de Curitiba, contando com dez vezes a quantidade de terabytes utilizados pelo restante do Ministério Público em todo o país, dados arquivados sobre 38000 pessoas sem investigação formal e 50000 documentos sigilosos aos quais a própria Corregedoria do Ministério Público não tinha acesso. Somam-se a isso procedimentos como a livre escolha de processos por promotores, contrariando o princípio do “promotor natural”, criação de convênios ilegais de troca de informações com organismos estrangeiros, gastos desproporcionais com viagens internacionais e todas as promiscuidades e heterodoxias já relatadas na série de denúncias que se chamou de Vaza-Jato. Espionagem, vazamento de informações estratégicas para o exterior e para a imprensa, chantagem de autoridades; tudo pode acontecer quando não se tem a garantia da lei, ordinária ou constitucional. Quando um suposto “clamor popular” autoriza um grupo de servidores a se colocar acima da lei, em nome de um finalismo sobre o qual já abundam suspeitas: o combate à corrupção.
Em que time, afinal, joga Augusto Aras? Sua proximidade com o Executivo abala a autonomia do Ministério Público, que fica sujeito às insondáveis negociações que o conduziram ao cargo? Não seria, acaso, conveniente ao governo federal um desmonte da Lava-Jato neste momento em que busca na aproximação com o “Centrão” o amparo político? O certo não seria aprovar uma PEC que obrigasse o Executivo a escolher o PGR dentre os indicados na lista tríplice? Por outro lado, como evitar que essa autonomia resulte em abusos corporativistas ou propicie a formação de estruturas burocráticas descontroladas e antissociais como demonstram os dados trazidos pelo próprio chefe do Ministério Público?
Augusto Aras veio para recompor a ordem jurídica ou para ser o fiador do novo acordo de sustentação parlamentar do governo?