A mídia tem direito a ter preferências. Um canal de TV ou um jornal pode manifestar sua predileção por uma força política em detrimento de outra. Ser de situação ou de oposição ao governo faz parte da livre expressão democrática.
Outra coisa é a falsificação de notícias ou a cobertura enganosa dos acontecimentos. Para evitar falsidades e enganos, é preciso que o jornalista ou articulista conheça a área, seja política, economia, cultura ou outra.
Chamam a atenção os vícios na cobertura jornalística de temas políticos e econômicos. O jornalista Luiz Nassif escreveu, a propósito, que um dos vícios mais recorrentes da imprensa é a síndrome do “maior desastre”. Esse vício consiste em comparar um indicador ruim com o pior indicador anterior. Tipo: foi o pior desempenho desde o mês tal ou o ano tal, não levando em conta se isso é tecnicamente apropriado.
É mau jornalismo fazer comparações indevidas. Informar que “temos a taxa mais alta de inflação desde o mês tal” ou “é o maior aumento da gasolina desde o ano tal” muitas vezes além de não indicar nada de importante pode falsear a compreensão do fenômeno numa escala de tempo maior.
Uma situação atual é ilustrativa: a cotação do dólar. As manchetes cometem brutais impropriedades, segundo Nassif, quando comparam o valor do dólar atual ao de períodos anteriores sem deflacionar. Manchetes tipo “o dólar atinge a maior cotação da era do real” são tão absurdas quanto dizer que os automóveis de hoje têm preços muito mais altos do que há 20 anos. É claro que os carros têm preço nominal maior, por conta da inflação.
Ao comparar a cotação do dólar hoje com o valor do dólar em anos anteriores é preciso adotar o mesmo cuidado que se deve ter quando se compara os preços de qualquer produto, seja geladeira, feijão, aluguel ou gás de cozinha.
Para obter a cotação efetiva (real) do dólar, informa Nassif, o indexador utilizado é o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Ampliado). Corrige-se o real pelo IPCA, corrige-se o dólar pela inflação dos EUA e faz-se a conversão, chegando-se assim ao câmbio efetivo. É matemática, não tem segredo para os jornalistas experimentados em economia.
Essa matemática nos leva a resultados surpreendentes: o valor efetivo do dólar de setembro de 2015 a R$ 4,00 é o mesmo valor real do dólar de R$ 0,85 em setembro de 1994, isto é, após a apreciação de 15% imposta pelo Plano Real. E o mais surpreendente: em outubro de 2002, após a vitória de Lula, o valor efetivo do dólar equivalia a um dólar atual na casa dos R$ 8,76. Isso mesmo: R$ 8,76! Antes, após a maxidesvalorização de janeiro de 1999 o dólar estava a R$ 4,37 em valores de agora. De janeiro de 1999 a setembro de 2005 não houve nenhum mês em que o dólar médio tenha sido inferior a R$ 4,00.
Síndrome do “maior desastre”: um vício a ser evitado pelo jornalismo responsável.