A crescente onda de reclamações em órgãos de defesa dos consumidores, as panes e suspensões aplicadas pelas agências reguladoras, tem me levado a pensar que vivemos um apagão de serviços. O caos reina em praticamente qualquer lado que olhemos. Celulares que não completam ligações, banda largas que mais se parecem com os antigos modens, atendentes desrespeitosos e despreparados, planos médicos cuja agilidade se assemelha aos piores serviços públicos. Isso sem falar nos já conhecidos e temidos SACs e 0800, os quais dispensam comentários e apresentações.
O problema é grave e pode ser visto por diversos prismas, todos com relativa justificativa, contribuindo positiva e negativamente para o atual cenário. Para avaliá-lo utilizei alguns codinomes, cujo objetivo não é ofendê-los, mas criar um panorama colorido e atual. Vamos então ao primeiro grupo.
Os otimistas: poderiam dizer que estamos mais conscientes e maduros, exigindo por nossos direitos em mais de vinte anos da lei federal 8.078 de 1990, também conhecida como código de defesa do consumidor. De inegável importância, criou maior transparência e balanceou as relações entre clientes e empresas. Incrédulo a princípio em sua utilização, ganhei processos relevantes contra grandes empresas brasileiras e multinacionais, sendo ressarcido em diversas oportunidades.
Os liberais: mencionariam que o aumento da competição, por meio da abertura de nossas fronteiras à importação, iniciada no governo Collor, trouxe maiores opções aos consumidores, com produtos similares aos existentes em outros países. Verdade em determinados segmentos como televisores de LCD, notebooks e computadores, hoje viajamos para comprar acessórios e eletrônicos portáteis. Abercrombie, Gap, Hollister, Louis Vuitton e Prada são os novos uniformes da classe média emergente. Culpa do próprio governo e seu apetite voraz, sobretaxando a tudo e a todos. É dele também a causa por dirigirmos veículos caros e ultrapassados, defendendo as grandes montadoras por aqui instaladas.
Os saudosistas: insistem em comparar seu tempo com os dias de hoje. Como já dizia Renato Russo, “o futuro não é mais como era antigamente”, me policio para não cair na tentação da crítica, pesando na balança seus prós e contras. Em uma época em que um interurbano poderia levar horas para ser completado, havia tempo para cultivar relacionamentos mais próximos e cordiais, como ainda se vê em cidades do interior. Em um armazém de secos e molhados tudo era resolvido ali na hora, entre os dois lados do balcão.
Os pequenos burgueses: moradores das zonas nobres das cidades há várias gerações. Conhecedores de tudo o que é bom desde a infância, se mantém fiéis aos seus hábitos antigos sem abrir mão da modernidade. Como formadores de opinião, frequentam estabelecimentos tradicionais, mesclando-os com as novidades. Classificados como classe AA, conseguem fugir do lado ruim dos serviços consumindo ofertas posicionadas como diferenciadas e de nicho, onde o bom atendimento e a qualidade dos produtos são tratados de maneira individualizada.
Os tecnológicos ou 2.0: finalmente o mais poderoso e recente dos grupos, surgiu com o advento da internet, publicando suas frustrações em sites de reclamações e decidindo suas escolhas com base em comentários feitos em redes sociais. Um simples vídeo pode ser visto por milhões de potenciais consumidores, derrubando o valor de ações e provocando abalos até nas companhias mais sólidas como o viral United Breaks Guitars, produzido pelo então músico anônimo Dave Caroll e visto por mais de doze milhões de internautas.
Otimistas, liberais, saudosistas, burgueses e tecnológicos. Some-se a este caldo de cultura o bom momento vivido pela economia brasileira nos últimos anos, adicionando milhões de consumidores que estavam na berlinda, ávidos por consumir qualquer tipo de produto ou serviço. Empresas de todos os segmentos e tamanhos surfaram nesta nova onda, crescendo a taxas de tigres asiáticos por anos a fio.
Com o esfriamento da economia mundial, muitas companhias foram pegas de surpresa, num momento em que tentavam colocar em ordem o caos interno provocado pelo aumento da demanda. Com menor receita para investimento, precisarão agora trabalhar na melhoria de processos e no aumento da eficiência, em um momento em que não há tantos novos clientes para conquistar.
Missão nada fácil em um país cuja produtividade do trabalhador andou de lado nos últimos 40 anos, baseado em anos de falta de investimento em infraestrutura, educação e inovações. Um longo caminho que precisa ser percorrido com foco estratégico e visão de longo prazo, evitando leis protecionistas e bravatas de políticos de última hora. Talvez assim consigamos um dia utilizar a frase de Renato Russo, rindo da época em que éramos tratados com desrespeito e descaso.
*Mestre em Administração de Empresas, professor da Universidade Mackenzie e professor tutor da FGV-RJ