Não há dias bons em meio a uma pandemia. Não há como passar imune aos tempos difíceis que vivemos. Há momentos de certo conforto e relaxamento, isso sim. Vejo amigos se aventurando em novas profissões, gente pintando cabelo, discutindo o BBB, falando incessantemente sobre política e notícias ruins por todos os lados. Depois de muito ouvir falar, decidi começar a leitura de Torto Arado, livro de Itamar Vieira Junior, vencedor dos prêmios Jabuti de melhor romance de 2020 e Oceanos, um dos mais importantes do mundo literário de língua portuguesa.
Com uma escrita concisa e densa, Itamar escreve uma história rica em detalhes sobre trabalhadores rurais em situação análoga à de trabalho escravo. Quem dá voz a essa narrativa são as duas irmãs Belonísia e Bibiana, em uma fazenda no sertão da Chapada Diamantina.
Ao ler sua obra, logo percebi que a nossa tragédia atual pode ser explicada pelo nosso passado. A construção do Brasil que temos hoje se constituiu na exploração da terra, de trabalhadores e na privação de direitos básicos e elementares. A terra que nunca foi partilhada, assim como o alimento que se colhe dela. Em uma das passagens mais marcantes de minha leitura, Sutério recolhe os alimentos da família durante um período de seca para dar aos seus donos. Uma cena que explica bem como funciona a nossa desigual sociedade.
Mesmo em épocas tão duras quanto a nossa, breves momentos nos distraem da catástrofe de todos os dias. E também nos ensinam que, para muitas pessoas, isso que estamos vivendo há um ano é o que se vive diariamente. A incerteza, o medo, a vergonha e a invisibilidade. A arte, em muitos casos, é tudo que nós temos. Em Torto Arado e nas recentes obras brasileiras fica claro que a nossa tragédia começou há muito tempo. É na reprodução sistemática de todos os tipos de preconceito e na construção de uma sociedade arcaica, desigual, injusta e sádica. Uma sociedade que naturalizou a fome, a miséria e o trabalho escravo como colunas de uma nação. O nosso passado oferece respostas sobre o que vivemos hoje.