Bacurau trata-se de uma obra de arte possuidora de uma estética que incomoda, que nos convida a revermos nossos conceitos acerca daquilo que é belo ou feio. Se você espera ver reproduzido em sua tela corpos magníficos, com alta definição, dentro da ideia daquilo que hoje é “aceito como ideal”, esqueça o filme Bacurau. Aqui a representação fica tão próxima do real, que é impossível não se identificar com os elementos do Brasil real apresentados na tela.
Referências múltiplas. Seja no enterro e no processo de cortejo que nos remete ao Brasil de outrora, onde segundo o historiador João José Reis, a “Morte era uma festa”, onde se comemoravam não somente a passagem para o além, mas a trajetória em vida do defunto. Talvez na simplicidade do povoado, dos costumes, da comida, ou das moscas no calor a incomodar entre um pedaço de bolo e um gole de café, Bacurau é um documento sobre o Brasil esquecido.
Obra fílmica referência para pensarmos não somente o Brasil atual, mas a relação entre os detentores do poder seja ele econômico ou cultural, e aqueles que permanecem, mesmo com o avanço da ideia de civilização contemporânea, no esquecimento. A banalização da morte no discurso do branco rico e dominante também incomoda. Pessoas morrem. Pessoas de vários sexos e idades. E isso incomoda. Ou não. E aí é que está a questão. Bacurau te convida a refletir, e talvez você não possua mais o necessário para tal reflexão. Não da maneira que consiga perceber que o mundo belo, controlado, e, esteticamente aceitável onde você vive, não é real. Que o real pode ser feio. Pode incomodar, e principalmente, pode lhe apontar falhas que você não se dá mais ao luxo de perceber em si próprio.
Bacurau. A ave noturna. A ave da escuridão. Local onde talvez esteja repousando aquela ideia básica onde se fundam as nossas sociedades contemporâneas. A ideia de cidadania. Tão cara aos que a defenderam. E tão desprezada por aqueles que hoje usufruem de seus benefícios do alto de suas torres, enquanto o povo de Bacurau sofre com a falta de água, de saneamento, de educação, de alimentação, de lazer. O diretor afirma que não tinha a ideia de fazer um filme político. Mas ao pensar Bacurau em suas especificidades, ele deu ao público um retrato do Brasil que não queremos enxergar.
Afinal em nossa sociedade atual, somente há espaço para o conceito de belo aceitável. Dentro dos padrões estéticos que vendem. Que confortam. Que iludem. Que nos afastam da realidade desconfortável de uma “mosca no bolo”.
Eduardo Barreto de Araújo – Professor – [email protected]