Hoje tirei a tarde para ficar em silêncio, para recordar. Gosto de me reencontrar com algumas estradas. Viajar de trás para frente. Acho que assim desligo um pouco dos “agoras”, pois, como já disse o poeta: “Escrever é esquecer. A literatura é a maneira mais agradável de ignorar a vida”. Escrevinhar, pelos menos para mim, é um “desengravidar” alheio que “embarriga” outras gravidezes dentro da gente. Deixamos estas, embarcamos em outras vidas. Desse modo, volto um pouco para o verão do ano de 1985, aproximadamente.
Ainda lembro, estávamos em sala de aula (primeira série). Quem me vê hoje enquanto professor, nem imagina que um dia fui bastante tímido. Um morador de si mesmo que não saía nem por um doce – pelo menos não na Escola. Enfim, quietinho – a turma toda estava em silêncio –, olhei para todos os lados e não encontrei a professora. Senti o clima engraçado, uma vez que só ficavam assim quando ela estava por perto. “Bom!” – pensei – “Ela deve ter decido para buscar alguma coisa”. Olhei para a caixeta de madeira, peguei dois lápis de dentro dela, e um desejo incontrolável me engordou a vontade de ter que batê-la como se fosse uma bateria. Bati. Sentia-me como um rei do rock. Quando virei a cabeça, quem eu vi se levantar? Sim, ela estava agachada tentando organizar alguns livros na parte de baixo da estante, quando… Como minha orelha doeu. Naturalmente, senti uma raiva danada na hora, mas passou. Pensando bem, sinto graça quando penso na cena.
Por um lado é bom amadurecer, só nestes “agoras” posso ponderar sobre meu espetáculo. Ah! Como os poetas e os professores carregam a mesma linha, o mesmo fio de Ariadne. Por hora são amados; por outra, esquecidos, odiados até. Mas o que move as asas desses nobres não é o vento, não é o céu. O que move é a vontade de levar todo mundo junto – mesmo sem poder. Então, esperançosos, ficam pesados e resolvem andar, tal como albatrozes caminhando pateticamente sobre o convés de algum navio. No chão se tornam instrutores de passarinhos. E como é bonito quando percebem algum deles alçar voo…
Foi o que aconteceu. Na verdade é o que acontece. Sempre que algo pouco mais importante sai ao mundo, um texto meu, uma conquista minha, é certo, lá está ela tecendo algum comentário, ou sorrindo satisfeita por me ver “ascender”. Coadjuvante? Não mesmo, porque foi ela quem me ensinou as primeiras letrinhas. Amou os seus. Dedicou-se, mesmo que fosse preciso se deixar um pouco de lado para poder fazer com que levássemos as letras a sério, tão a sério que hoje sou capaz de brincar com todas elas, de escrever – inclusive, estas memórias.
Obrigado pela chamada! Hoje entendo o seu empenho. O rei da bateria cresceu os ouvidos para sua canção – e isso não é trocadilho.
Mas que doeu. Ah, isso doeu…