Um grande avanço nas questões de defesa das mulheres ganhou notoriedade esta semana. Recentemente, o Ministério Público, na 2ª Vara Criminal, moveu uma ação que resultou na primeira condenação pelo crime de perseguição de mulher em violência doméstica e familiar, o chamado “stalking”. Resultado com base no inquérito policial da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM) de Santa Cruz do Sul.
Através da ação do MP, o juiz Assis Leandro Machado considerou procedente a denúncia e condenou o réu à pena privativa de liberdade, fixada em nove meses de reclusão e quatro meses e vinte e seis dias de detenção. A pena de reclusão é aplicada a condenações mais severas e de detenção para condenações mais leves, e não admite que o inicio do cumprimento seja no regime fechado.
Na mesma sentença, o magistrado condenou o agressor, também, a pagar cinco salários mínimos a título de prejuízo moral à ofendida, sendo que esta pode denunciá-lo se ele não pagar. Foi fixado o regime inicial do cumprimento da pena no aberto, junto à Casa do Albergado de Santa Cruz do Sul ou na casa prisional. A tese foi fixada pela 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar recursos especiais repetitivos.
Conforme o promotor Eduardo Ritt, da 2ª Vara Criminal, a decisão do juiz condenando por crime de perseguição e, também, ao pagamento de valor indenizatório à vítima, é inédito em nossa cidade. “Tenho certeza que vai servir de um motivo sério para que a violência doméstica seja efetivamente combatida em nossa sociedade, pois o agressor terá sérias consequências se perseguir a mulher, inclusive por meio de mensagens em WhatsApp e outros aplicativos. Ainda cabe recurso em relação à sentença. O agressor agiu reiteradamente, ameaçando a vítima por palavras e sinais, prejudicando a integridade física e psicológica desta, invadindo e perturbando sua esfera de privacidade”.
Relembre o caso
O primeiro fato de perseguição à vítima ocorreu em 25 de março de 2021. Por volta das 13h, em via pública do Bairro Esmeralda, em Santa Cruz do Sul, a mesma sofreu os primeiros indícios de violência contra a mulher, tendo o agressor proferido à sua ex-companheira palavras com ameaça de morte. A ação se configurou como segunda ameaça, pois a vítima já havia registrado na Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM) queixa em relação às ameaças de morte que vinha sofrendo. Ela conseguiu fugir do agressor e se esconder numa oficina, nas proximidades do local, acionando a Brigada Militar.
Após o fato, foi registrado um Boletim de Ocorrência (BO) e a vítima requereu medidas protetivas de urgência. O agressor foi intimado em 27 de março, mas, descumpriu a decisão judicial, voltando a fazer ameaças à ex-companheira em sua residência e na frente da filha do casal. Fato ocorrido cerca de três semanas após o registro do BO. O agressor descumpriu as medidas protetivas mais de uma vez, com registros em outros momentos, realizando chamadas de vídeo pelo WhatsApp e, inclusive, a perseguindo na rua e em seu local de trabalho, sendo que a perseguição se intensificou no mês seguinte. O agressor, que já havia sido enquadrado por violência contra a mulher pela Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), teve deferida medidas protetivas de urgência à vítima, com determinação de afastamento do indivíduo do lar e de se aproximar da ex-companheira e seus familiares.
Devido às constantes ameaças, registrou-se uma nova ocorrência em 14 de maio e, através dessa, o Ministério Público apresentou o parecer por prisão preventiva e o réu foi recolhido. Conforme o juiz Assis Leandro Machado, no total foram cometidas seis infrações penais no contexto doméstico e familiar. “Pois foi ameaçada de morte pelo ex-companheiro em três ocasiões; foi perseguida, inclusive, tendo que pedir guarida em uma oficina para fugir do acusado quando estava indo realizar o registro na Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher. Além de, em duas ocasiões, ter descumprido as medidas protetivas de urgência concedidas em favor da lesada, agindo em manifesta desconsideração à Administração da Justiça. Entendo adequada a fixação de cinco salários mínimos previstos à época dos fatos e a título de danos morais, nos moldes sugeridos pelo Ministério Público”, frisou.
Entenda o que é “Stalking”
O dispositivo que considera crime a prática de perseguição no Brasil – também conhecida como “stalking” – foi sancionado em abril deste ano. A Lei nº 14.132/2021 acrescentou o artigo 147-A ao Código Penal e determinou que aquele que “perseguir alguém, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade”, estará sujeito a reclusão, de seis meses a dois anos, e multa.
A palavra em inglês é utilizada na prática de caça, deriva do verbo stalk, que corresponde a perseguir incessantemente. No contexto de caça, inclusive, ocorre quando o predador persegue a presa de forma contínua. Consiste em forma de violência na qual o sujeito invade repetidamente a esfera da vida privada da vítima, por meio da reiteração de atos de modo a restringir a sua liberdade ou atacar a sua privacidade ou reputação.
O resultado é um dano temporário ou permanente à integridade psicológica e emocional. Os motivos dessa prática são os mais variados: violência doméstica, inveja, vingança, ódio ou a pretexto de brincadeira. Há o emprego de táticas de perseguição diversas, a exemplo de ligações telefônicas, envio de mensagens por SMS, aplicativo ou email, publicação de fatos ou boatos, remessa de presentes, espera da passagem da vítima pelos lugares que frequenta, dentre outras.