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Movine traz e enfatiza questões de raça, gênero e representatividade

No mês voltado ao Dia da Consciência Negra, mulheres negras promovem ações e refletem acerca do assunto

Luciana Mandler
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Neste sábado, dia 20 de novembro, se celebra o Dia Nacional da Consciência Negra. É momento para pensar em questões relacionadas ao racismo, discriminação, igualdade social, inclusão de negros na sociedade e a cultura afro-brasileira, assim como promover ações para debate e reflexão, além, é claro, de ações que valorizem a cultura africana.
A data foi escolhida por coincidir com o dia atribuído à morte de Zumbi dos Palmares, em 1695, um dos maiores líderes negros do Brasil que lutou pela libertação do povo contra o sistema escravista. O Dia da Consciência Negra é considerado importante no reconhecimento dos descendentes africanos e da construção da sociedade brasileira. Em Santa Cruz do Sul, desde 2015 – quando foi instituído o Mês da Consciência Negra – é que o assunto, ao longo de todo o mês, é pauta e ganha mais destaque.

Para refletir sobre a data, nada mais justo de que ouvir e dar voz à mulher negra, em especial àquelas que lutam, que buscam contribuir com uma sociedade mais igualitária ao mesmo tempo que buscam fortalecer e incentivar pessoas negras a se movimentarem social, cultural e economicamente. É o caso das mulheres que fazem parte do Movimento da Mulher Negra de Santa Cruz do Sul (Movine).

O movimento foi fundado no início de 2020, quando Cláudia Regina da Silva, mais conhecida como Claudinha Silva, teve a iniciativa de criar um grupo de WhatsApp, onde as mulheres poderiam discutir as notícias da região, sobre a realidade e sobre as demandas do cotidiano como mulheres, mas principalmente, onde a cor dessas mulheres teria influência na situação enquanto cidadãs ativas dentro da sociedade.

Antes do Movine, Claudinha fazia ações na área de Esporte e em outras conversas se percebeu que faltava espaço para tratar sobre as questões de raça. “O Movine vem então das rodas de conversas e da necessidade de expandir e chegar a questões de raça, gênero, representatividade”, frisa Luana Caroline da Silva, secretária do Movine, ao lembrar de como tudo começou.

“Nós como mulheres negras no Município sentíamos que nossa voz não estava sendo ouvida de forma adequada, principalmente em tempo de redes sociais e diminuição drástica de eventos voltados à cultura negra, exemplo, o Carnaval e concursos de samba e beleza”, conta Luana.

Inicialmente, o grupo teve dificuldade em começar os encontros em decorrência da pandemia, sendo os primeiros realizados por videoconferência. Os encontros presenciais somente começaram a ocorrer a partir da metade deste ano.
“Hoje temos um grupo de mais de 50 mulheres discutindo e verbalizando suas necessidades, e fico feliz em dizer que ele tem crescido diariamente”, comemora. “Os encontros ocorrem conforme a disponibilidade dos membros e em geral mais próximo onde a maioria residir”, explica. Atualmente, quem cede espaço ao grupo é a EMEF Harmonia. “Mas esperamos poder ir a outros bairros para que mais mulheres possam participar”, projeta Luana. Normalmente, as datas dos encontros são divulgadas nas redes sociais (Facebook, Instagram e grupo de WhatsApp).

O Movine é formado por mulheres negras, mas as ações buscam fortalecer pessoas negras das diversas idades e identidades de gênero. “Trabalhar com públicos em fases diferentes da vida é desafiador, mas temos que estar presentes em todas as bases”, acredita. “Os jovens e crianças precisam se identificar com nossas pautas e principalmente precisam ser vistos. Eles desejam ser aceitos com sua aparência e com seus desejos, sem sofrer represálias por isso”, enaltece.
Saber sobre suas origens, cultura, movimentos que ocorrem dentro da sociedade faz parte de formar cidadãos mais preparados para os desafios da vida, aposta Luana. “E ensinar sobre diversidade forma pessoas mais éticas e que conseguem compreender que o mundo não se resume ao que o nosso olho consegue enxergar”, salienta.

AÇÕES MOVINE – Mas se engana quem pensa que dentro do movimento ocorrem apenas rodas de conversas e debates. Ao longo do ano houve arrecadações de alimentos, roupas, brinquedos e ações voltadas para a entrega desses itens para famílias dos bairros periféricos de Santa Cruz.

Também ocorreram ações voltadas à autoestima da mulher negra, bem como projeto voltado à autoestima das crianças (Projeto Cabelinho na Régua). Em novembro, como o mês é especial foi realizado o primeiro encontro voltado especificamente para a Rede de Afronegócios.

Nessa quinta-feira, 18, o grupo de mulheres do movimento definiram ações da Rede Afronegócios, que terá a primeira Feira de Afroempreendedores de Santa Cruz do Sul, no dia 28 de novembro, das 10h às 17h, na praça do Bairro Santa Vitória. Haverá exposições, músicas, apresentações e concurso de beleza afro.

Data reflete sobre antepassados e lutas

Luana Caroline da Silva, que é secretária do Movine, acredita que não é possível falar por todas as mulheres, pois elas são um coletivo plural. “Mas acredito que a maioria de nós vê esta data (Dia da Consciência Negra) como dia de reflexão sobre nossos antepassados, toda a luta que se construiu nos séculos em que o Brasil usufruiu de forma escravizada da nossa força bruta e intelectual”, reflete. “Muitos de nós não conseguem de fato saber suas origens, pela troca de nomes ao chegar ao País, mudança de idioma e religião que nos foi imposta. Também serve para que o passado não se repita, para que façamos análise da situação atual do negro na sociedade e em quais objetivos iremos investir nossos esforços para uma sociedade mais igualitária”, acrescenta.

Luana Caroline da Silva (Crédito: Divulgação)


Ao ser questionada sobre o maior desafio hoje e o que ainda precisa mudar para que todos se respeitem e se aceitem, Luana compreende que as mudanças não se darão na medida da urgência, mas os dados estão aí para confirmar a necessidade das ações afirmativas e como elas vêm influenciando positivamente nas mudanças sociais. “Para uma mudança mais efetiva, um dos maiores caminhos é a educação em todos os níveis. Ensinar da criança ao idoso que nascemos de cores diferentes, que cor e formato de cabelo não definem caráter e que o respeito à diversidade é base de uma sociedade mais igualitária”, aponta.

Ainda segundo Luana, o debate avançou, “estamos nos vendo na mídia, nos espaços de trabalho e nos setores públicos e privados”, sublinha. “A legislação tem avançado a passos pequenos, mas ainda sim teve avanço e, em 2021, tornando o crime de injúria racial imprescritível, equiparando-o ao crime de racismo”, pontua. “Um número crescente de instituições e órgãos públicos e privados investindo em políticas, em programas de inclusão e que combatem preconceito em suas diversas formas”, completa.

Dentro do movimento, há constante debate. Todas podem contribuir, sejam com fatos históricos, notícias, indicando o trabalho uma da outra, debatendo sobre espaços onde deveriam estar presentes, entre outros. “Somos várias vozes, com histórias de vida, formações e criações diferentes, mas que estão unidas pelo bem maior que é nos fortalecer”, destaca Luana.