A saúde da humanidade está integrada diretamente ao meio ambiente, pense então que se este estiver sendo negligenciado haverá reflexos para todos, entre estes a extinção de espécies animais e vegetais existentes no planeta. Uma das grandes preocupações mundiais é reduzir a emissão de gás carbônico, a alta concentração de dióxido de carbono é responsável pelo efeito estufa e o aumento da temperatura global que acarreta consequências ao meio em que vivemos.
Em entrevista ao Riovale Jornal, o coordenador João Carlos Kipper Trinks, que atua na área de Impactos da Mercur, de Santa Cruz do Sul, explica os impactos causados ao meio ambiente com a emissão de gás carbônico. Formado em Ciências Econômicas, com MBA em Gestão Empresarial, foi profissional de logística por muitos anos, mas, desde 2013 atua no setor de Impactos da Atividade, que além de fazer a gestão ambiental da empresa, tem a preocupação de entender a sua pegada de carbono, reduzindo tudo o que for possível e compensando o que não pôde ser reduzido. “Isto nos torna uma empresa carbono neutro”, enfatizou o coordenador.
Riovale Jornal – Hoje, qual a principal solução para um futuro sem poluição?
João Carlos Kipper Trinks: Acredito não haver uma solução principal para um futuro sem poluição, mas um conjunto de ações que possam minimizar a poluição, tornando possível que o planeta readquira sua capacidade de resiliência. Passa principalmente pela educação, para uma nova consciência, onde o homem possa modificar sua relação com a natureza, reconhecendo-se como parte, utilizando a capacidade intelectual que tem para preservar e não para destruir. Estudos da Earth Overshoot Day apontam que o consumo dos recursos do planeta, entre o dia 22 de agosto até 31 de dezembro de 2020, extrapola a capacidade de regeneração do planeta. Esses estudos iniciaram em 1970 e naquela época excedíamos em apenas dois dias.
Riovale – Quanto tempo hábil para reduzir a emissão de gás carbônico?
João Trinks: Já estamos atrasados em relação à redução de emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE). Os níveis de concentração na atmosfera batem recordes ano a ano. A consequência é o desequilíbrio climático que afeta a todos. Porém, as consequências e os efeitos mais perversos se dão, principalmente, em países e com as pessoas com menos recursos. Conforme o Observatório NOAA, dos Estados Unidos, se considerarmos 800 mil anos antes da revolução industrial, as concentrações de CO2 variavam entre 170 a 280 PPM (Partes por Milhão).
Naquele período, o homem não tinha a capacidade de interferir no equilíbrio climático. A Terra por si só tem sua geração própria de emissão, o que é natural, no entanto, números atualizados que o Observatório apurou em 2019 indicam concentrações de 409,8 PPM e em 2020, com 412,5 PPM. De um ano para o outro foram 2,6% de aumento nas concentrações e quase 50% quando comparamos os níveis atuais com os níveis pré-industriais. A utilização intensa de combustíveis fósseis como o carvão, petróleo e gás natural, o uso do solo, queimadas e desmatamentos são os grandes vilões do aumento das emissões e altas concentrações atmosféricas de GEE. Portanto, discutir sobre este tema é fundamental e urgente. As emissões são cumulativas e podem levar séculos para sua remoção.
Para conter e encontrar soluções, em 2015 aconteceu o Acordo de Paris, ratificado por 194 países que se comprometeram a mudar a forma de conduzir a economia. O IPCC, Painel Intergovernamental para as Mudanças Climáticas, recomenda que as ações implementadas pelos países limitem o aquecimento global em menos de 2°C, de preferência, 1,5°C em relação ao período pré-industrial, até o final deste século.
Riovale – Se não iniciarmos com a conscientização agora, quanto tempo ainda nos resta para salvar o planeta?
João Trinks: A questão não é o planeta, mas a espécie humana e grande parte da biodiversidade existente. O planeta tem a capacidade de adaptar-se às condições que o homem lhe impõe. Faz isso o tempo todo. No entanto, estas condições de autoajustamento trazem fenômenos cada vez mais intensos e imprevisíveis, e é aí que reside o problema.
Altos níveis de emissão e concentração de GEE na atmosfera geram desequilíbrios climáticos, hoje em torno de 1°C em relação à era pré-industrial. Michael E. Mann, professor de ciências atmosféricas na Universidade Estadual da Pensilvânia diz que, dos 19 anos mais quentes da história, 18 aconteceram de 2001 para cá, sendo que os cinco últimos foram os mais quentes da história. Fenômenos como secas, enchentes, vendavais, derretimento de geleiras, aumento no nível dos oceanos tornam-se mais severos.
Riovale – Quais ações que a Mercur faz neste sentido?
João Trinks: Em 2007, a Mercur começou a questionar sua atuação. A pergunta disparadora foi: se a Mercur desaparecesse hoje, o que a sociedade perderia? A conclusão foi de que muito pouco, pois as pessoas se empregariam em outras empresas e o mercado poderia ser atendido de forma rápida. Essa resposta incomodou e nos fez correr atrás de alternativas. A primeira foi contratar uma consultoria, em São Paulo, que trouxe à luz as dificuldades e os desafios que atuar de forma sustentável requer. De lá para cá, aos poucos, vamos dando vida ao propósito de ajudar a construir um mundo de um jeito bom para todo o mundo. Através do princípio de unir pessoas e organizações para construir encaminhamentos e criar soluções sustentáveis. Várias foram as ações que derivaram de nossos Direcionadores:
Valorizamos todas as formas de vida e construímos a nossa atuação com pessoas, independentemente do papel que representem em suas relações com a empresa. Buscamos soluções relevantes e responsáveis com cuidado e simplicidade. Respeitamos as diferenças e somos éticos em todos os nossos relacionamentos. Conservamos para a posteridade.
É possível citar algumas importantes em nossa história recente e que têm relação direta com o tema e que de alguma forma indicam que é possível fazer algumas coisas de forma diferente e que sempre há espaço para melhorar.
Reduzimos o portfólio de produtos, de forma que não sejam consumidos por impulso e sim pela necessidade. Novos lançamentos precisam justificar sua importância, passando por construção conjunta com os públicos, escolha de materiais, preferencialmente renováveis (temos indicadores que medem nossa evolução na ampliação do uso), reciclados e monocomponentes. Que o produto lançado tenha uma cadeia de reciclagem constituída e possa, de fato, ser reciclado. Estabelecer uma comunicação clara com os consumidores orientando para o descarte final mais correto;
Deixamos de fazer negócios com segmentos que atentem contra a vida como: indústrias que produzem agrotóxicos, armamentos, bebidas alcoólicas, tabaco, jogos de azar, que maltratam animais, aquelas que façam uso de trabalho infantil e trabalho forçado. Horizontalizamos o organograma, readequando cargos, diminuindo níveis hierárquicos, dando voz às pessoas, tornando a comunicação na empresa mais fluida;
Anualmente, menores salários têm reajustes percentuais superiores. Reduzimos carga horária. A jornada na empresa é de 36 horas semanais. Não trabalhamos mais no 3º turno, fazendo com que as famílias possam conviver mais tempo juntas. Não contratamos mais safristas, como forma de ampliar a dignidade na contratação das pessoas.
Doamos todo vidro, papel, papelão e plástico à cooperativa de catadores de Santa Cruz do Sul, ampliando a renda dos cooperados. Procuramos encontrar soluções adequadas para os resíduos que geramos. Hoje, nada é disposto em aterro sanitário.
Desde 2009 passamos a fazer nosso inventário de emissões de CO2. Naquele ano, a emissão encontrada em nossa operação foi de 3.145 tCO2e e finalizamos o ano de 2020 com 982 tCO2e. Muitas ações foram realizadas para a diminuição desse número, como: a redução de nosso portfólio de produtos, substituição de combustíveis, uso de etanol nos veículos da empresa, substituição de óleo na caldeira por lenha de eucalipto plantado em terras pertencentes à empresa.
Redução drástica em viagens aéreas, ampliação do uso de tecnologias de comunicação. Uso de intermodalidade, substituindo caminhões por navios, barcaças, balsas ou trens onde for possível. Conversas com fornecedores para compreensão deste tema são constantes. Alguns, principalmente fornecedores de serviços de transporte fazem seu inventário e também compensam suas emissões. Hoje, a modalidade escolhida é o plantio de mudas nativas, de acordo com o bioma onde serão plantadas, mas existem outras alternativas que estão em estudo.
Procuramos reduzir as distâncias, comprando o máximo possível de fornecedores locais, próximos a Santa Cruz, aumentando a renda local e diminuindo nossas emissões de CO2. O mesmo vale para substituição de importações. Internalizando a produção de tudo o que for possível, diminuindo cada vez mais esta dependência.
Conseguimos reduzir o consumo de água na empresa em 67%, quando comparamos 2020 com 2009, coletando água da chuva, ampliando o seu reuso e com o fechamento dos poços artesianos. Compramos no mercado livre toda a energia elétrica que utilizamos, incentivando a geração de energia de fontes limpas como Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs), eólicas e solares. Até o final deste ano teremos mais novidades neste sentido.
A alimentação orgânica nos refeitórios da empresa passou a ser uma realidade desde 2013. A parceria da Mercur com o CAPA/Ecovale e Refeições Ao Ponto viabilizou que a maior parte dos alimentos sejam orgânicos, oriundos de produtores locais que têm a preocupação com a forma que os alimentos são produzidos, livres de agrotóxicos e que trazem benefícios para o meio ambiente e para os consumidores.
Desde 2010, a Mercur vem adquirindo borracha nativa de seringueiros do Pará, contribuindo para a preservação da cultura e a consolidação das reservas extrativistas e terras indígenas por meio do estímulo à retomada da produção e comercialização do látex. Desta forma, valorizando o trabalho dos povos tradicionais que prestam um serviço indispensável para o planeta. A ideia é ampliar essa relação, de acordo com a possibilidade, através do comércio justo e a manutenção dos benefícios que a floresta em pé proporciona.
Riovale – E para encerrar, qual sua sugestão para as demais empresas?
João Trinks: É complicado dar sugestões. As experiências que a Mercur tem vivido foram construídas com o nosso jeito de fazer as coisas e sempre será necessário evoluir. É um processo que não tem um final, sempre podemos melhorar.
Nos anima saber que hoje, várias empresas no mundo, inclusive no Brasil, estejam empenhadas com questões ambientais, sociais e de governança. Em inglês, a sigla é ESG – Environmental, Social and Governance. Onde o ambiental são as práticas de redução do seu impacto, a preocupação com a crise climática, aquecimento global, redução e compensação de carbono, uso de recursos naturais, eficiência energética, uso da terra, resíduos e poluição;
O social é como se dão as relações com os stakeholders da empresa, colaboradores, clientes, fornecedores, comunidade, governo e instituições. Garantindo a privacidade e proteção de dados, respeito aos direitos humanos, gerando engajamentos, inclusão e espaço para a diversidade;
Já a governança é a adoção das melhores práticas de gestão corporativa, baseadas na transparência, equidade e prestação de contas. Alinhamento dos objetivos da empresa aos objetivos dos investidores. O período que vivemos nos convida a mudar a lógica dentro daquilo que fazemos. Buscando inovar para transformar o mundo no melhor mundo que podemos.
Ana Souza