Domingo, 31 de março de 2019. Hoje o Golpe Militar, de 1964, completa seus 55 anos de vergonha histórica. Meus olhos ainda estão vívidos dessas memórias (não vivi as dores, mas sempre li muito sobre o Regime), então não pude ficar na cama. A alma puxou o corpo, que levantou afoito e com uma vontade estranha e poderosa de matear. Nas entranhas, sabia que a ditatura, militar ou não, infelizmente, não me é tão “lonjurenta” assim, nem para este cadáver, menos ainda para os espíritos que lhe fazem morada. O mate, sabia bem, acalmaria estas torturas. Mate que não é verbo, mas que matava um pouco à agonia do abandono medrado pelos contribuintes desta continuação tímida de um movimento ditatorial fantasmagórica e no qual quero mesmo é afogar, matar no final deste mate lavado e que me acompanha nestas letras.
Já de pé, e limitado a não admirar muito os programas de televisão abertos, lembrei que não tinha recursos para assistir ao que o histórico historiou “estoricamente’ em minha lembrança. Precisava assistir ao meu primo historiador, Jocelito Zalla, divulgando e proseando sua inteligência no programa Galpão Crioulo, na RBS TV. Desprovido do canal, fiz o que todo homem moderno e admirador de Huxley e Orwell fariam, recorri ao YouTube – mas o que eu queria não estava disposto ali. Contudo, digitando o nome do programa, num átimo, li “Luiz Mareco”. Abri o vídeo e uma eternidade viajou naquele “Meus amores” cantador de “ontens”.
Ao sorver mais uma vez o chimarrão, o olhar se perdeu para clarear um lugar antigo naquele cantinho escuro de mim. Ao abrir os olhos para dentro, lembrei-me do tempo em que dançávamos numa Invernada Artística, aqui em Vera Cruz, no CTG Candeeiro da Amizade. Conheci, inclusive, “minha” esposa ali. “Meus amores”, de Luiz Marenco, era a canção que me “ensolarava” a felicidade ao pensar nela, pouco antes de eu ter coragem de me aproximar. O que, creio, este seja um péssimo dia para dar “verduara”, já que o dia é para cores mais enlutadas, em respeito às vítimas torturadas e mortas durante os 20 anos “nevonetos” da Ditadura Militar.
Enfim, não sei bem se tenho culpa em ouvir “Meus amores” na companhia de um amargo “mujiqueiro”. Conforta-me saber que Clio, a Musa da História, através da vontade de assistir ao Zalla historiador, movimentou meus pensamentos para longe da tristeza, fazendo de mim um instrumento “feliciteiro” de revisitação daquele de mim que conheceu aquela da Carmem, minha indispensável companheira.
E com um tirar de chapéu num breve movimento pousado em direção ao peito, minuto uma eternidade para os perseguidos e mortos, durante as duas décadas de Golpe; mesmo que, por outro lado, felicito ao Jocelito pela visibilidade bonita, ao mesmo tempo em que agradeço, também, a Clio por ter salvado este dia que, originalmente, era para ter a espessura de uma inconsolável tristeza.
Agora pode voltar a chorar os seus mortos, ó Musa “historiadeira”! Sentarei contigo aqui do exílio.