Bem-me-quer, mal-me-quer, bem-me-quer, mal-me-quer, bem-me-quer… Assim iam delicadamente sendo destacadas as pétalas das flores margaridas, uma a uma, enquanto o sol tentava vencer o orvalho nas manhãs frias. Era uma brincadeira fácil, o maior esforço era encontrar uma margarida. O segundo maior esforço era pensar em alguém para, quando sobrasse a última pétala, saber se aquela pessoa gostava ou não de nós. Cada pétala destacada era acompanhada das expressões bem-me-quer ou mal-me-quer de forma consecutiva e alternadamente. Tirávamos sequencialmente as pétalas, até que a última que sobrasse nos daria a resposta. Desta forma, restava só o miolo central da flor, de um amarelo dourado, como um sol despido dos raios. Raios para quê? Importava a luz interior. Importava o núcleo, o cerne, a essência. Hoje também consigo ver aquela brincadeira como um exercício inconsciente de entendimento do desapego. Desapego das quinquilharias guardadas, em casa ou dentro de nós, desapego das pessoas que não nos somam ou a quem não somamos. Como abelhas, nos interessava onde podia haver néctar. Como beija-flores, dispensávamos as pétalas para ir direto à essência, ao nosso miolo, ao miolo de nós.
Em inglês as margaridas são chamadas de “daisy”, uma provável adaptação da expressão “day’s eye”, que significa “olho do dia”. Isso porque elas se fecham durante a noite e se abrem novamente quando o sol debruça nelas calor e luz. A vida parece mesmo ser mais viva quando se tem calor e luz.
Os biólogos, de forma especial os botânicos, dizem que as margaridas não são flores, mas uma reunião de muitas flores em cada uma delas, ao que chamam de inflorescência. É preciso ver com outros olhos para entender a mensagem de cada margarida, o esforço e a humildade de cada microflor amarela para, juntas, comporem um botão dourado que, unidos a outros tantos, nos encantarão pela beleza num ramalhete ou num jardim. As pétalas brancas nos remetem à pureza e jovialidade. Estas qualidades parecem traduzir o desfecho da união das microflores que compõem o botão central, a inflorescência. Talvez possamos traduzir isso como a “essência na flor”, o que nos interessa ou o que deveria nos interessar: pureza e jovialidade de espírito.
O nome margarida vem do latim: “margarita”, que significa “pérola”. Como ostras do mar protegendo as pérolas, o botão central das margaridas parece pérola protegida por pétalas brancas, que se fecham à noite e se abrem na luz do sol. Proteger pérolas é uma missão dada a quem merece. Na verdade todos podem fazer por merecer. Pérola pode ser seu filho ou filha, seu marido ou esposa, namorado ou namorada, neto ou neta, grandes amigos ou amigas. Pérola pode ser seu trabalho, sua profissão, seu hobby. Pérola pode ser ajudar os outros com o que você tem de melhor, com as suas melhores “pétalas”. Talvez tenhamos vindo ao mundo para procurar a pérola que há em cada um de nós. Procurá-la é procurarmos a nós mesmos, e isso é um garimpo que às vezes nos faz encontrar uma parte de nós em outra pessoa. Vamos oferecendo pétalas aos que passam por nossas vidas, nem todos entendem por elas não terem perfume. O perfume é sutil, e está dentro de nós. Senti-lo é transcender aparências, despetalar o supérfluo para manter a essência, a “inflorescência”. Talvez sejamos todos microflores de um imenso botão central, se vistos à distância, despetalando a distância pétala por pétala… Bem-me-quer, mal-me-quer, bem-me-quer, mal-me-quer, bem-me-quer…