Viviane Scherer Fetzer
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Na última segunda-feira, 24, Heloísa Gralow Dalferth lançou e autografou seu livro ‘Mulheres no movimento da Reforma’, que escreveu em parceria com Claudete Beise Ulrich. O livro possui 208 páginas e foi editado pela editora Sinodal, ele recupera uma pequena parte da memória e da participação das mulheres no movimento da Reforma Luterana. O século 16 foi uma época de grandes mudanças. Foi, na verdade, uma das épocas que mais deixou marcas na história da humanidade. Um dos grandes responsáveis foi Martim Lutero com a publicação de suas 95 teses na porta da igreja do castelo de Wittenberg, no dia 31 de outubro de 1517. Muitas mulheres tiveram uma participação ativa especial, tanto nos bastidores como publicamente, na defesa dos princípios teológicos da Reforma. O próprio Lutero aborda o papel das mulheres em seus escritos e cartas bem como em suas conversas à mesa.
Confira entrevista exclusiva com a santa-cruzense Heloísa Gralow Dalferth, uma das autoras do livro.
‘Riovale Jornal’ – Quais os reflexos da Reforma nos dias de hoje?
Heloísa Gralow Dalferth – Para os dias de hoje são as mulheres que atuaram no movimento da reforma e durante séculos ficaram às sombras dos grandes reformadores. Algumas dessas mulheres eram esposas de reformadores ou de pastores que atuaram na reforma, mas não somente casadas, também outras mulheres intelectuais que tinham um conhecimento de mundo. O reflexo nos dias de hoje é que elas tiveram a coragem e a ousadia num tempo como o do século XVI em que a mulher não tinha voz, não tinha direito de se pronunciar publicamente e nem era requisitada para dar alguma opinião em termos de política, de sociedade, de qualquer coisa contextual e muito menos religiosa. Porque na Igreja Católica daquela época quem mandava era o Papa, era o clero e quem participava disso eram apenas homens. Mas a nossa tarefa como escritoras foi tentar resgatar que havia mulheres que não se enquadraram dentro desses moldes, eram alfabetizadas, que tinham sua opinião própria, porque na época cerca de 10% da população da Alemanha era alfabetizada e desse número a maioria eram homens. Com a reforma aconteceu um renascimento dentro da educação e da formação e muitas mulheres também acabaram sendo alfabetizadas porque o Martin Luther criou um movimento de criação de escolas, uma vez escolas tipo ginásio em que só mulheres que queriam ser professoras podiam estudar, e as escolas do povo, para meninos e meninas. A intenção primeira era a leitura do catecismo e do evangelho, Bíblia, mas acabou sendo muito mais porque elas acabaram lendo e acabaram criando uma opinião própria. E entre essas mulheres havia aquelas que externaram sua opinião. Tudo isso são coisas que não aparecem hoje em dia, que não aparecem na história. A história contada é a história de heróis, dos homens e não das heroínas. Para mim os reflexos são que justamente essa questão nos encoraja, como Igreja e como mulheres.
‘Riovale Jornal’ – Hoje as mulheres já têm seu espaço conquistado dentro da Igreja ou ainda há o que conquistar?
Heloísa Gralow Dalferth – Dentro da Igreja Evangélica sim. Por exemplo, na Alemanha existem as bispas. Tanto nas igrejas regionais quanto nas territoriais. E acho que ali elas conquistaram esse espaço. Eu, na minha comunidade gozo de um respeito em que estou no nível do prefeito. Mas isso há alguns anos, porque faz 30 anos que sou pastora e no começo tudo o que meu marido, que também é pastor, ia fazer não era questionado, mas eu como mulher precisava provar que o que eu estava fazendo daria certo e que eu também sabia. Ninguém me dizia isso, mas eu sentia isso ‘vamos ver se ela sabe’, ‘vamos ver se ela sabe fazer um casamento’, ‘se ela sabe fazer uma prédica’.
O meu coração sempre bateu na pesquisa da questão de mulheres na Bíblia. Nós tínhamos um grupo de OASE noturno aqui em Santa Cruz e a minha pesquisa foi em relação a isso porque a Bíblia foi contada e escrita e as mulheres ficaram à margem, mas algumas foram citadas nominalmente. E outras tantas anônimas, e isso é uma coisa muito bonita de se pesquisar. Se você for olhar na genealogia de Jesus, no Evangelho de Mateus no capítulo 1, ali não só homens estão na genealogia, existem mulheres também, e também mulheres estrangeiras. Por exemplo, a Ruth, mulher moabita de um povo pagão que casou com Jessé e era assim a bisavó de Davi que estava na genealogia de Jesus. Então ali já existem mulheres citadas nominalmente que fizeram muita coisa, só que se esqueceu de contar essas histórias. Eu vejo como uma tarefa importantíssima resgatar essa história. E isso está acontecendo desde os anos 60 e 70 com o movimento feminista e, dentro da Igreja, a Teologia feminista que te traz para ver o que aconteceu mesmo.
‘Riovale Jornal’ – Poderia destacar mais alguma mulher importante para a Reforma?
Heloísa Gralow Dalferth – Katharina von Bora, foi considerada a primeira mulher de pastor, só que Martin Luthero não era pastor, ele era teólogo, foi reformador e professor universitário. A primeira esposa de pastor foi Gertraude Pannier, que vivia em Kemberg, e foi casada com o pastor Bartholomaus Bernardy. Katharina era uma grande administradora. Resgatei a memória de uma pessoa muito interessante que é Argula von Grumbach, ela leu a Bíblia do pai dela quando tinha 10 anos de idade, estudou aquilo e tinha uma formação bíblica e assim acabou se metendo em questões teológicas na época e teve a ousadia de escrever para a reitoria da Universidade de Ingolstadt que queria uma discussão e escreveu cartas panfletárias que acabaram sendo os best-sellers naquela época.
A reforma não era somente a Reforma Luterana, dentro do movimento da reforma surgiu a Igreja Reformada principalmente na Suíça e em Strassburg, na França. E uma outra mulher muito interessante que destaco é Barbara Pirckheimer, que depois de se tornar freira assumiu o nome de Caritas Pirckheimer. A Reforma teve um grande movimento contra os mosteiros, pela descoberta da justificação por graça e fé somente, não se precisava mais de oração. Teve toda uma campanha luterana para o fechamento de mosteiros, para que os monges e freiras saíssem dos conventos. E Caritas foi contra isso. Porque um convento não era só negativo para as mulheres principalmente, porque dentro do convento estariam protegidas. Elas eram alfabetizadas dentro dos mosteiros, elas tinham uma formação e uma cultura. E Caritas se negou a sair e conseguiu manter o convento, mesmo sendo adepta das ideias da reforma, das ideias libertadoras, e adepta a essa ideologia. O conceito de liberdade de decisão era maior do que o que estava sendo pregado. São coisas revolucionárias para a época, e eu acho que essa coragem e essa ousadia nós não podemos perder. Não agora porque nós queremos ser ousadas, ou nos mostrar como fortes, acho que é em cima de uma coisa muito maior que é a fé em Jesus Cristo, a fé no Cristo, no Deus vivo porque o próprio Cristo tratou homens e mulheres de igual forma.
Várias dessas intelectuais usavam uma passagem do Apóstolo Paulo quando estavam fugindo de seus ideais, “dessarte, não pode haver judeu nem grego; nem escravo nem liberto; nem homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus”, Gálatas 3:28. Elas se apegaram muito a esse versículo quando questionadas sobre sua atuação por serem mulheres. Elas disseram nós somos pessoas cristãs, não podemos chamá-las de feministas.
‘Riovale Jornal’ – Como foi o processo de criação do livro?
Heloísa Gralow Dalferth – A pioneira nessa pesquisa da atuação das mulheres dentro do movimento da reforma sou eu em termos de Brasil. Isso foi uma pesquisa que eu comecei nos anos 90 quando meu esposo estava fazendo doutorado na Alemanha. A minha colega Claudete me citou em vários trabalhos e eu encontrei muitas histórias dessas mulheres quando fiz a pesquisa sobre a Katharina von Bora. Pensei até em ampliar naquela vez, porque em 1999 ela completaria 500 anos, mas continuei a pesquisa, e a Claudete acabou descobrindo outras, começou escrevendo pequenos artigos e aí veio o Jubileu da Reforma, no caso é esse ano. Na América Latina e no Brasil não existem informações sobre a atuação dessas mulheres. Aí fomos atrás da editora Sinodal que na hora aceitou. Aí dividimos as tarefas. Começamos há uns três anos, mas não foi uma coisa contínua, centramos as atividades há um meio ano mesclando com nossas atividades.
Sobre as escritoras
CLAUDETE BEISE ULRICH, natural de Candelária/RS. Filha de Olíbio Eduardo Beise e Blondina Ottilia Beise (em memória). Casada com P. Carlos Luiz Ulrich. Mãe de Gabriela, Eduardo e Tobias. Avó de Júlia. Formação: Teologia na Faculdades EST e Pedagogia na UDESC. Mestrado em Teologia Prática na Faculdades EST. Doutorado em Teologia: Religião e Educação nas Faculdades EST. Pós-doutorado em História pela UFSC. Atuação: Pastora da IECLB nas paróquias de Cunha Porã/SC e Jaraguá do Sul/SC. Colaboradora ecumênica na Igreja Evangélica Luterana de Hannover/Alemanha. Coordenadora de estudos na Academia de Missão junto à Universidade em Hamburgo/Alemanha. Professora de Teologia na Graduação e de Ciências das Religiões na Pós-Graduação na Faculdade Unida – Vitória/ES.
HELOÍSA GRALOW DALFERTH, nasceu no dia 9 de dezembro de 1962 em Santa Cruz do Sul/RS. Atualmente é pastora na Comunidade de Bad Alexandersbad, na Baviera – Alemanha, incluindo a atividade de pastora clínica pastoral (Klinik-seelsorgerin) no Klinikum Fichtelgebirge. Casada com o Pa. Dr. Silfredo Bernardo Dalferth, mãe de três filhas: Christiana, Elisabeth e Betina. Há muitos anos se dedica à pesquisa na área da teologia luterana, enfocando principalmente a questão das mulheres e a educação de meninas a partir de Lutero e da teologia da Reforma.