Alyne Motta – [email protected]
Alguém que mergulha no mundo ultraterreno, vivendo em companhia dos santos, para melhor exprimir o rosto e o mistério. Assim é o iconográfico, uma pessoa que “escreve ícones”, ou seja, a representação de uma personagem em pintura sobre madeira, sendo considerada sagrada e objeto de culto.
Alyne Motta
A irmã Andrea escrevendo um ícone
A palavra “ícone” deriva do grego eikóna, que quer dizer “imagem, representação, gravura ou figura”. Trata-se de uma pintura de gênero sagrado, executada sobre madeira com uma técnica particular, segundo uma tradição transmitida pelos séculos.
E essa tradição é mantida viva no Mosteiro da Santíssima Trindade, localizado em Linha Travessa, no interior de Santa Cruz do Sul. Pelas mãos da Irmã Andrea, as imagens unem a teologia, a arte, a liturgia e uma tradição canônica em sua confecção que remonta os primeiros séculos do cristianismo nascente.
Segundo a irmã, o trabalho com ícones não se preocupa com a beleza, e sim com o que os detalhes representam. Para tanto, o trabalho é todo realizado com materiais minerais, natural e vegetal. “Cada etapa mostra a relação próxima com a natureza”, explica a irmã Andrea.
O iconógrafo é um missionário da beleza incriada. Sua missão é tornar visível com traços e cores o espiritual, ou seja, o Divino. O homem que cria imagem de culto não é um artista no nosso sentido. Não cria, mas serve à presença. As imagens são reproduzidas a partir de cânones.
A confecção de um ícone é feito por pessoas familiarizadas com a vida espiritual. O costume da oração e da disciplina monástica torna importantes componentes da ação do artista. De acordo com a irmã, para que cada detalhe e expressões sejam captados, ela precisa dedicar-se exclusivamente ao trabalho.
O trabalho é feito a partir de materiais nobres e, devido a minuciosidade do mesmo, leva bastante tempo até ficar pronto, da mesma forma que torna a peça bastante cara. “Procuramos usar produtos 100% naturais, seguindo o trabalho dos primeiros iconógrafos”, explica a irmã Andrea.
A técnica foi aprendida pela monja por volta de 2005, com Dom José Velasco. “Ele fez um curso na Itália e divulgou a técnica no Brasil”, comenta Andrea. Mais tarde, como forma de aprimoramento, fez um curso com Rosana Nicoletti, uma italiana, mas que divide o tempo entre sua terra natal e a Argentina.
Atualmente não há uma exigência de que o iconógrafo seja um monge, mas que esteja intimamente ligado à Igreja, pois diz respeito somente o aspecto técnico da obra, mas toda a sua organização. Sem oração, o artista encontra-se morto para o mundo espiritual e a sua obra sempre seria sem alma.
“Para mim, é um ressurgimento a cada detalhe que escrevo em um ícone. E é isso que a técnica significa reviver sua história, se tornando uma pessoa nova”, comenta irmã Andrea. “E mais do que ressurgir, é preciso seguir um código de ética, destinado aos iconógrafos, onde se comprometem com o puro”, acrescenta.
Como os ícones são confeccionados com materiais naturais, é preciso ter muito cuidado com o local onde é confeccionado. Cerca de 6 meses após o trabalho pronto, é passado um óleo de olinfa, um produto que é absorvido pela madeira, fazendo com que os animais não destruam o ícone. Após pronta, a obra é abençoada, para que se torne sagrada.