Imaginar a cena da chegada dos primeiros imigrantes fica um pouco contraditório, se analisarmos o clima que estamos agora. Os dias frios não configuraram em nada sua trajetória. Aqui chegaram abaixo de um sol escaldante, com roupas escuras e mangas longas. Caminharam de Rio Pardo até Santa Cruz do Sul, eram dois dias de caminhada. “Imagino que era um sofrimento muito grande, mas o que moviam eles era a esperança de uma vida melhor”, explicou a historiadora, professora e diretora do Museu do Colégio Mauá de Santa Cruz do Sul, Maria Luiza Rauber Schuster.
Foram nas terras de nosso Município que os imigrantes depositaram a expectativa de ter um pedaço de terra para plantar. Vinham de uma realidade onde não existia esperança. “Poucos conseguiriam sobreviver naquele período onde hoje está a Alemanha, Áustria e Polônia. Eles chegam aqui com muita esperança e não se entregam facilmente. Chegam em Linha Santa Cruz, berço da colonização, onde não tem casa e tem que preparar o rancho onde teriam que morar. As casas eram de costaneiras, cobertas por jerivá (palmeira tipicamente brasileira) e de chão batido”, contou Maria Luiza.
A união fez a diferença entre os habitantes, um ajudava o outro. Não interessava estado civil e religião. “Se ajudavam mutuamente, mesmo não sendo dos mesmos lugares. Essa era outra dificuldade, pois tinham que se entrosar com aqueles que não conheciam. Hoje, pessoas que nos conhecem, passam por nós como se fôssemos desconhecidos. A cooperação foi essencial entre eles, olhar para o outro e ver o que ele precisava. Isso é importante de relembrar. A união deles em busca de um sonho. Combinavam o trabalho, construíam suas casas, plantavam e cultivavam a roça”, lembrou a historiadora.
Na época, não havia igreja, escola. “Mesmo sendo de religiões diferentes eles rezavam juntos. Não existiam padres, nem pastores. Tinham que se juntar e ter força, e essa era a força divina. Domingo era o dia de parar o trabalho e rezar. Mais tarde vieram os primeiros padres e pastores e também a cautela de colocar os novos imigrantes separadamente, os evangélicos e os católicos. Era uma única igreja, uma única escola e um cemitério. As primeiras levas de imigrantes em Linha Santa Cruz perfaziam uma família formada, com pai, mãe e quatro crianças, uma delas era adolescente, de 14 anos, mas que não poderia exercer o trabalho pesado. Exigia-se força, pois tinham que derrubar a mata, preparo da madeira e quebra de pedras para a construção das moradias”.
A vinda no verão prejudicava a plantação, tinha que haver um tempo para o cultivo da terra. “Eles eram sustentados pelas promessas do Governo Imperial. Mais tarde veio a primeira colheita do trigo, por August Wudke, que produziu o primeiro pão. Era um alimento nobre e digno. Os imigrantes aprenderam a cultivar o milho, o feijão, o aipim, entre outros. As senhoras tiveram que aproveitar bem o que vinha da roça, tal como a manteiga, queijo e ovos. Tiveram que conhecer muito os produtos para então fazer o seu uso”.
Lembrar do Dia do Colono e do Motorista é voltar aos antepassados. O Brasil foi colônia de Portugal, então, automaticamente, todos os brasileiros são considerados colonos também. “Aqueles que vieram colonizar a terra têm uma nobreza enorme. Merecem nosso respeito, pois produzem os alimentos que consumimos e, se não fosse o suor deles não teríamos o que colocar na mesa. Temos que aprender a olhar todo o esforço deles ao longo desta caminhada. Uma energia empregada para que nós pudéssemos ter uma vida melhor. As estradas foram abertas não por máquinas, mas por pás. Eles sabiam que a vida seria dura mas, não imaginavam que seria tanto. Alguns deles, vindo da Rússia, assinaram um documento de que não retornariam, pois se o fizessem teriam que pagar para o governo que assumia a compra da passagem para ficar e não voltar”.
A vida era muito dura e difícil, os parentes se distanciavam e nem se conheciam. “As viagens eram feitas no lombo de cavalos ou de burros. Por exemplo, na minha família, tinha parentes em Monte Negro, Salvador do Sol, e meus avós moravam na Serra Gaúcha. Meus pais têm parentes que nunca conheceram. Todos morando dentro do Rio Grande do Sul. De Rio Pardo a Santa Cruz levava-se dois dias. Temos que ter muita gratidão a eles. No mundo atual, devido à pandemia, que todos olhem para o lado e relembrem os antepassados e ajudem aqueles que têm menos. Havia cumplicidade de um ajudar o outro, hoje querem algo em troca de favor”.
AS FLORES: HERANÇA CULTURAL
Recentemente, a Prefeitura de Santa Cruz do Sul iniciou o ajardinamento e plantio de flores em nossa cidade. “Esta é uma herança cultural. No Fritz e Frida e, em diversas lugares, as flores estão voltando ao cenário, proporcionando alegria e colorido às paisagens. Florir a cidade é uma herança que temos que preservar. É o capricho da mulher alemã que, mesmo não tendo muito, fazia questão de ter flores, pois alegrava a vida. Em uma cidade de descendência alemã isso é muito importante, pois ali se vê o valor da mulher alemã. O capricho das donas de casa. Se cultivava flores para todos os momentos e sábado era o dia em que se colhiam flores para enfeitar a casa para o fim de semana. Era um orgulho ter no vaso uma flor cultivada no próprio jardim. Nos desfiles da Oktoberfest, em Santa Cruz do Sul, prestou-se uma homenagem à mulher e as flores demonstraram esse resgate”.
Ana Souza
ana@riovalejornal