Início Colunas Guerras e imposto sobre grandes fortunas

Guerras e imposto sobre grandes fortunas

A constatação é do economista Thomas Piketty (em “O Capital no Século XXI”): os impostos sobre grandes fortunas e heranças nos países desenvolvidos foram viabilizados não pela democracia em tempos normais e sim pelo contexto do caos da 1ª e 2ª Guerra Mundial e da ameaça comunista. 
Até a 1ª Guerra, as taxas mais altas do imposto de renda não passavam de 10%. Vieram as guerras, veio a Revolução Russa e o ambiente se modificou completamente. Na Alemanha, a taxa mais elevada do imposto de renda saltou de 4% para inacreditáveis 90% ao final da 2ª Guerra, estabilizando-se acima de 50%. Nos Estados Unidos o pico foi maior, chegando a 93% ao final da 2ª Guerra. No Reino Unido, o teto chegou ao seu recorde: 98%, ainda em fins dos anos 1970. Na França, o limite superior alcançou 70%.
Em todos esses países, os impostos sobre as grandes fortunas permaneceram em patamares muito altos até a década de 1970, contribuindo para reduzir as desigualdades sociais. O caso dos Estados Unidos é ilustrativo: no meio século entre os anos 1930 e 1980, a taxa superior do imposto federal sobre a renda foi, em média, 81%. Coisa de comunista, não parece? Só que isso não foi na União Soviética, foi nos Estados Unidos, país que nossas elites econômicas costumam apontar como modelo a ser seguido.
Com os impostos sobre herança, a tendência foi no mesmo sentido. Até o início do século XX, a taxa superior de imposto sobre herança nos países ricos era inferior a 10%. No ambiente das guerras e dos regimes comunistas, as taxas se elevaram para aproximadamente 80% nos Estados Unidos e no Reino Unido, e para 40% na Alemanha e na França.
Para Piketty, é importante entender que o sentido principal desses impostos impressionantemente altos não é aumentar as receitas fiscais: é acabar com esse tipo de renda ou patrimônio excessivo, que é estéril para a economia. O imposto progressivo é um método liberal para reduzir as desigualdades, pois respeita a livre concorrência e a propriedade, mas modifica os incentivos privados segundo regras fixadas de maneira democrática no contexto do Estado de direito. Não se trata tanto de arrecadar mais impostos como de construir uma orientação econômica para o conjunto da sociedade, que consiste na ideia de que a liberdade individual tem seus limites estabelecidos pelo senso de justiça social. Ninguém pode ter excessos injustificáveis às custas do bem estar do conjunto da sociedade.
Esse senso de justiça se perdeu a partir da década de 1980, o período do neoliberalismo galopante. As taxas superiores do imposto de renda caíram em todos os países ricos para a faixa de 40% a 50% (ainda bem superior à nossa faixa superior de 27,5%) e para as heranças entre 30% e 45%. E as desigualdades não param de aumentar, chegando hoje a níveis inéditos na história do capitalismo.
Preocupante, não? É o caos e a ameaça revolucionária o ambiente indispensável para mudanças de justiça social na democracia?