O governador Tarso Genro assinou, nesta terça-feira, 17, o decreto que institui a Comissão Estadual da Verdade, grupo formado por representantes da sociedade civil e auxiliado por integrantes do Poder Executivo que terá como objetivo facilitar o acesso a documentos oficiais da ditadura militar no Brasil (1964 – 1985) e subsidiar os trabalhos da Comissão Nacional da Verdade. O ato ocorreu durante a Conferência Direitos Humanos, Desenvolvimento e Criminalidade Global, apresentada pelo juiz espanhol Baltasar Garzón, que foi homenageado com a Comenda da Ordem do Ponche Verde diante do público que lotava o auditório do Ministério Público do Estado, em Porto Alegre.
Ao lembrar a trajetória de movimentos, revoluções e ações políticas que partiram do Rio Grande do Sul e ajudaram a consolidar a democracia no Brasil, Tarso afirmou que a criação da Comissão Estadual da Verdade confirma a tenacidade e o protagonismo do povo gaúcho. “O Rio Grande do Sul também teve seus filhos torturados e assassinados durante o regime militar. Hoje é um grande dia para os direitos humanos e para a democracia”, comemorou.
Camila Domingues/Palácio Piratini
Jurista espanhol foi homenageado com a Comenda da Ordem do Ponche Verde
Coordenador da Comissão Nacional da Verdade, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Gilson Dipp enfatizou o viés colaborativo da comissão estadual. “Ela terá um caráter complementar da comissão nacional e certamente trabalharemos juntos e irmanados para buscar o mesmo objetivo”. Para a ministra da Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência da República, Maria do Rosário, esse será um trabalho de recuperação da memória de um país que sofreu com um período de exceção. “Nós temos o direito de saber o que aconteceu e, ao sabermos, temos o direito de continuar lutando para que aqueles anos de chumbo e de vergonha sejam superados”.
Exemplo para outros países
Em sua conferência, o juiz Baltasar Garzón destacou que a iniciativa de criar uma instância específica para investigar crimes contra os direitos humanos deve servir de exemplo para outros Estados e países, como a própria Espanha. “Meu país sofreu uma ditadura por mais de 40 anos. Mas, 70 anos depois, não é capaz de enfrentar sua história e responde de forma abrupta, tentando silenciar a atuação da Justiça e processando o juiz que tentava investigar esses atos”, disse, referindo-se ao processo que sofreu pela Suprema Corte espanhola ao investigar crimes relacionados ao Franquismo.
“As instituições, quando responsáveis pela violação massiva de direitos fundamentais de seus cidadãos e cidadãs, têm a obrigação de reconhecer essa verdade e fazer o possível para que essas violações não ocorram nunca mais”, afirmou. O jurista acrescentou que este reconhecimento fortalece a democracia de um país. “No momento em que esse passado se reconhece como oficialmente sucedido, é quando começa a verdadeira reconstrução democrática e a reconciliação de um povo”.
Garzón também lembrou que a Declaração Universal dos Direitos do Homem completa 65 anos em 2013, mas reconheceu que não há motivos para grandes comemorações. “A história nos mostra que essa declaração é a norma mais infringida na história da humanidade”. Segundo ele, as organizações que defendem as garantias constitucionais ainda são consideradas pelos governantes como entidades perigosas e ameaçadoras.
“A percepção que existe em nível internacional da defesa dos direitos humanos é tão utilitarista e sectária que envergonha, porque os mesmos países que dizem defender e fazem grandes declarações são os que consentem com a violação sistemática dos direitos humanos em nome dos benefícios econômicos”, apontou, ao ressaltar que a matéria prima para confecção de bens comercializados por altos preços é produzida nos países mais pobres do mundo, como Uganda, Congo e Sudão.
Para Garzón, é preciso superar a hipocrisia que envolve a luta pelos direitos humanos e cobrar uma postura de empresas e corporações que não se empenham em assegurar as garantias desses trabalhadores. “Um estado de direito se fortalece com as garantias e pelo compromisso e responsabilidade de defendê-las”.
Juliano Pilau/Secom Governo do Estado