A história brasileira é rica em exemplos de quando a direita não tem votos para vencer gestas eleitorais ou mesmo quando antevê dificuldades, o uso de estratagemas, escaramuças e de formulações jurídicas casuísticas é sempre uma rota preferencial no horizonte.
Não muito diferente é o que se passa em boa parte dos países da latinoamerica. Golpe em cima de golpe. A via democrática, a conformação com a vontade popular expressada, não somente foi desprezada em diversos episódios, como escancaradamente sabotada.
Em 1954, Vargas deu o “drible da vaca”, sacrificando a própria vida, adiando por uma década a tomada violenta do poder em 1964. Em 1961, o parlamentarismo de ocasião arredou Jango do centro decisório e foi a retomada do projeto pealado por Getúlio e a preparação da noite longa de ditadura militar.
Em 1974, a oposição consentida, amadurecida com a derrota da abstenção pregada por suas lideranças daqui e por outras exiladas ou na clandestinidade em 1970, ganharam em 18 estados, fizeram maioria na Câmara e passaram a ocupar 59 das 66 cadeiras no Senado.
Não tardou para que Golbery e Hélio Beltrão tirassem do quepe a figura dos senadores biônicos, a sublegenda e o voto vinculado. Como visto, foram esses os últimos suspiros de um regime em direção à agonia.
Em meio a isto, em 1977, os conflitos entre Geisel e Sylvio Frota deixaram feridas abertas. O general tido como de linha duríssima, que perdeu a indicação para Figueiredo, tinha apoiadores no “baixo” oficialato, vários deles hoje no topo da carreira ou bradando desde o Clube Militar.
Nos anos 80, apesar da derrota da emenda Dante de Oliveira, vieram a Assembleia Nacional Constituinte e as eleições diretas. A despeito de denúncias de favorecimento pelos conglomerados de comunicação social, fato é que a direita venceu em 1989 com Collor de Mello.
Seguiram-se os governos centro-direita de Itamar Franco e FHC e depois os de centro-esquerda de Lula e o primeiro de Dilma (2010-2014). Todos dentro da legalidade, em clima de razoável estabilidade, marcados por embates ideológicos e disputas políticas conaturais em uma democracia incipiente.
No entanto, a quarta derrota em sequência para projetos progressistas reacendeu a urticária golpista. O candidato oposicionista não reconheceu a vitória da oponente, pediu recontagem dos votos e auditoria nas urnas. Não provada qualquer fraude, prometeu inviabilizar, obstruindo desde o parlamento, o governo que legitimamente avançaria para um segundo mandato.
A partir disso, e com o apoio de outros atores nacionais e internacionais, foi sacramentado o Golpe de 2016, quando aprovado o impedimento da presidenta, sem justa causa jurídica. O lawfare protagonizado por Moro e a cultura lavajatista – desmascarada recentemente – foi instrumento eficaz para manter o novo estado de coisas. Não sem o reforço de ameaças ao STF, vindas da caserna e de fora dela, diante dos primeiros ensaios de resistência.
Desde então tornaram-se corriqueiros os “avisos”, as chantagens, as investidas públicas contra o Poder Judiciário e, especialmente, contra seu órgão de cúpula e mais recentemente contra o TSE, protagonizadas pelo presidente da República e seus apoiadores.
A gesta pelo voto impresso, ante os argumentos que a justificam, e a fórmula de um semipresidencialismo são tranças de um mesmo tento, há muito manjadas. Nada de novo, pois, o que não significa devam ser menosprezadas, naturalizadas e enfrentadas apenas com notas de repúdio ou com aceitação de desculpas tímidas em privado, por gravíssima tentativa de intimidação pública.
A reação a toda conspiração contra a democracia e a Constituição deve ser feita com coragem, com atitudes articuladas, firmes e enfáticas – nos parlamentos, nas ruas e nas praças públicas – pelo que ainda resiste nas instituições, pela sociedade civil, movimentos sociais e partidos políticos de todas as matizes não fascistas.