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Falência moral?

Temos visto com grande clareza a falta de valores éticos com referência à entidade humana nas sociedades modernas. Quando o assunto é política, por exemplo, o discurso de ódio parece estar suplantando a esperança por dias melhores.
Via de regra, dizemos que o Homo sapiens atingiu considerável evolução a ponto de propiciar grandes avanços em áreas como medicina, educação e informação. Contudo, na área da gestão política que se projeta, devido à corrupção e a recorrentes defesas de medidas desumanas para conter certas desordens no interior da sociedade, o que vemos é o retrocesso. 
Recentemente, uma política de “tolerância zero” nos EUA abalou a comunidade global. 1.995 menores foram separados de seus pais imigrantes ilegais. Essa medida gerou inúmeros protestos, tais como o do senador democrata americano Jeff Merkley, que declarou que “seria mais correto chamar a isso de ‘humanidade zero’”. Bem como a declaração do ex-presidente Bill Clinton, de que “crianças não devem ser usadas como ferramenta de negociação”.
Para o filósofo Immanuel Kant, que viveu no séc. XVIII, “a consequência de ser um fim em si mesmo é a de que o homem não pode servir como meio à consecução de algum objetivo, posto ser dotado de dignidade”. Ou seja, para ele “o homem é um fim em si mesmo”. Com efeito, usá-lo para quaisquer fins políticos, ou de outra ordem, é de todo imoral. Isto é, a atitude moral deve implicar a consciência do próprio valor da entidade humana, aquela que sempre infunde respeito.
Outro exemplo, na seara das desumanidades, é o discurso atual em candidatura política – sádico, a meu ver –, que defende medidas de uso da violência como proposta resolutiva para um país mais justo. Ora, que evolução é essa que não encontra meios pacíficos e ao mesmo tempo eficientes para uma sociedade mais justa? Ah, claro… não sejamos ingênuos, tais meios existem e não são praticados por alguma inconveniência, por demandarem demasiados esforços, investimentos, ação conjunta da população, ou simplesmente por não contemplarem certos tipos de interesses.
O mundo não é “angélico”, certamente. É, por vezes, bastante caótico. É justamente por isso que os esforços políticos, dedicados ao progresso das sociedades, devem se manter debruçados sobre a moral, imprescindivelmente. 
No sentido em questão, penso que instituições básicas, como família, escola, Igreja, e também as mídias, poderiam se dedicar mais em proliferar a ideia de que viver significativamente implica investir, além de coisas básicas para uma boa vida (como estudos, um bom trabalho, a preservação da saúde, amizades, etc.), em um propósito, ou projeto de valor, que tenha como âncora regras de reciprocidade, consciência coletiva e solidariedade.
Um estudo publicado em 2016 pela empresa de consultoria Gallup revelou que a disposição em ajudar o próximo é um forte indicador de fatores econômicos positivos e de incentivo ao bem-estar coletivo. Em tempos de crises humanitárias, acredito ainda que a proliferação de tal disposição valorativa iria robustecer os laços sociais éticos, lançar luz às consciências e, por conseguinte, ampliar a sensibilidade em lidar com o ser humano. 
Enfim, para uma sociedade mais justa, é preciso refletir sobre tais possibilidades, ainda que pareçam distantes e/ou utópicas. Se assim não for, talvez continuaremos a presenciar mais atitudes de banalização da ética e da moral: saber que se age de modo incorreto e não se importar com isso, porque é mais fácil de atingir, assim, certos objetivos.