Uma das grandes novidades da conjuntura eleitoral de 2014 no Brasil vem sendo a aparição pública de vários segmentos de extrema direita. Visível na Europa, nos Estados Unidos e noutros países, a extrema direita apresenta suas armas também entre nós.
Direita e esquerda, assinala Norberto Bobbio, são posições políticas diferenciadas em relação ao tema da igualdade social: a direita considera as desigualdades sociais inevitáveis e tende a aceitá-las; a esquerda considera que as desigualdades em grande parte decorrem de fatores sociais e luta para reduzí-las. Ambas tiveram e têm expressões “moderadas” (de centro) e “extremadas”.
A extrema direita e a extrema esquerda não se comprometem com a manutenção de regras democráticas, concordando com o uso da violência e do autoritarismo para chegar aos seus fins. A centro direita e a centro esquerda estão comprometidas com a manutenção das regras democráticas.
Desde a redemocratização do Brasil, na década de 1980, até o ano passado as forças extremistas não tiveram proeminência no cenário nacional. Na esquerda, os grupos extremistas que haviam lutado contra a ditadura militar nos anos 60 e 70 ou foram eliminados ou depuseram armas e assumiram a ideia de que a democracia é um valor universal. Na direita, os grupos extremistas (militares da reserva, grupos policiais, TFP, UDR) permaneceram fragmentados na maior parte do período.
Mas os grupos de extrema direita começaram a se mexer desde a eleição de Lula, em 2002. Matéria da revista Época em agosto de 2003 informava que “Radicais da direita se mexem – UDR, TFP, ex-policiais do Dops e anticomunistas criticam governo, acertam ações contra o MST e lobby a favor das armas”. O movimento extremista não ganhou força no cenário político nos anos seguintes, mas as vozes direitistas no Congresso Nacional ficaram gradativamente mais fortes. Aos deputados Jair Bolsonaro e Ronaldo Caiado somaram-se lideranças religiosas do pentecostalismo fundamentalista, como Silas Malafaia e Marco Feliciano. Embora nem todos façam abertamente pregações anti-democráticas, temas anti-democráticos vêm unificando a sua ação, como o discurso contra os direitos humanos, especialmente as questões ligadas à homofobia e ao racismo.
As mobilizações de rua de junho de 2013, por paradoxal que possa parecer, acabaram por potencializar a extrema direita, o que ficou evidenciado pelo que veio depois, o contexto eleitoral de 2014. Por não possuir uma pauta definida, com manifestantes portando faixas que falavam desde temas cruciais, como a má qualidade do transporte público nas grandes cidades, a questões delicadas para a democracia, como a negação dos partidos políticos, os protestos chocaram o ovo da serpente – o autoritarismo nu e cru. Isso ficou claro ao longo do presente ano, quando extremistas começaram a se manifestar mais abertamente.
Os 50 anos do Golpe Militar de 1964, lembrados em março/abril, foram ocasião para que grupos saudosistas do regime militar e jovens de classe média fossem às ruas em algumas cidades do país. Pela primeira vez a democracia foi questionada abertamente nas ruas, em pequeno número. Como se viu depois, essas vozes não eram solitárias. (Continua)