Ontem à noite resolvi sossegar. Sentei com a família e ela parou para assistir um filme comigo. Pouco antes, já havia salvado parte do mundo. Salvei-o de mim, retirando o aplicativo Facebook do telefone. Senti, faz tempo, que os demônios lutavam para saírem através da facilidade da palma da mão. Escolhi ter mão. Optei por dificultar o “stargate”, deixando aquele mundo só no computador e, como há tempo não fazia, me esparramar no sofá, ligar a TV e ouvir um… “Pai, daqui a pouco tu não vai mais ficá em casa de noite, né?! Vai tê que i pra aula”. “Pois é, mas agora tô aqui, e o hoje é que é o futuro de ontem; o agora, filha, é nosso. ‘Agoremos’. Vem cá e me dá um abraço gordinho… E cadê o filme? E cadê os gatos?”
Ah, o filme! “Quando tiver que escolher entre estar certo e ser gentil, escolha ser gentil”. Eis a primeira fala que me comoveu. O roteiro, lindo. Os “times”, precisos. A honestidade, perfeita. Sim, tínhamos uma obra para apreciar. Tudo acontecia (cada um e cada coisa a seu modo e em seu tempo) por debaixo das peles. Debaixo, porque somos janelas que olham para o mundo. Casas nômades a vagar sozinhas por aí. Já que aqui onde se escondem os ossos, todos nós moramos em um estado de quase solidão, só observando outras ‘solitudes’ se avizinhar. A história do filme não digo, não aprofundo. Apenas revelo o nome, o título: “Wonder”, no original, e “Extraordinário”, na versão “tupinicã”.
“A grandeza não está em ser forte” – dizia um personagem da película – “mas no uso correto da força. Grande é aquele cuja força conquista mais corações pela atração do próprio coração”. Sim, nos emocionamos todos. Aqui já andávamos no finalzinho da história, da estória. Um fungado aqui, outro ali. Opa, uma lágrima descendo do rosto?! Vixi, nem lembrei mais dos sofrimentos do ano passado!
Pela primeira vez em muito tempo estive ali, aqui e com as pessoas que mais amo. Havia me esquecido de rogar para que a vida fosse menos dolorosa e que determinadas pessoas não nos vissem mais como sacos de areia para “desestresses”. Bater? Bata palmas para um filme; para um poeta; para um ator; para um professor; bata palmas para a existência alheia (todos precisamos existir). E quando estiver na dúvida sobre o que deve ou não fazer – geralmente naquelas noites mais escuras que o habitual –, olhe para o céu, pense nos vivos e depois nos mortos e grite: “Passum preto o que se faz?” – e depois chore, vá pra casa amar os seus e então deixe os demônios voltarem aos infernos de onde vieram, seja o sartreano, o dantesco ou mesmo o já conhecido inferno judaico-cristão. Só deixe. Respire e deixe a vida ser extraordinária. Só deixe…