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Escrever


Tenho escrito em quase todos os lugares. No celular, esperando o ônibus para o trabalho, voltando do trabalho para a casa, em casa, na mesa de bar ou ainda ao ler. Durante muito tempo fiquei me perguntando quando voltaria a escrever “de verdade”. Ainda não voltei ao meu principal objetivo, a ficção. No entanto, nunca escrevi tanto nos últimos meses. Escrevi sobre cada dia, sentimento, sensação, memória e pensamento que tive, em uma tentativa de capturar toda a essência desse momento. Espero fazer algo de bom com tamanho sofrimento. Quem sabe um livro, um conto, ou algo que chame e retenha a atenção das pessoas.
Ainda assim, nos últimos dias passei por uma situação tão incômoda quanto estranha.

Simplesmente não consegui escrever nada. Peguei a caneta, o lápis, sentei em frente ao monitor do computador e nada. Nenhuma linha, nem mesmo um amontoado de palavras consegui reunir. Não sabia nem mesmo qual assunto abordar. Gostaria de falar da candidatura do herói de barro, o juiz Sergio Moro. Ainda vou falar, apenas não agora. Tentei falar sobre memórias, internet e afins, de como nossa privacidade parece desaparecer completamente, mas não consegui. Fiz uma relação com diversos temas que teria interesse em abordar, ainda que não tenha elaborado absolutamente nada sobre.
Busquei alternativas, assimilações, ritos, hábitos e coisas que sempre fiz para despertar a escrita. Infelizmente em vão. Não dá para brigar consigo mesmo quando as palavras simplesmente não saem. Então comecei a me perguntar o motivo pelo qual eu não conseguia falar. Talvez seja a época. É dezembro, o último mês do ano. Será o primeiro Natal em família para muitas pessoas. Nesse período, muita gente passa indiferente e outros ficam emotivos. O que une ambas as tribos é de que não há ninguém que passe impune pelo cansaço de um 2021 de muitas emoções. Não há quem não tenha vivido uma montanha russa emocional nos últimos meses, ao ponto de estar no automático.

Chegar em dezembro não foi fácil, diante de tantas perdas e mudanças. Voltamos do home office, da vacina para a vida normal, do isolamento para atividades presenciais. Tudo isso é desgastante.
Sendo assim, eu me abstenho de pensar que deveria ser produtivo e escrever como antes. Não há como. Nem mesmo com tanto assunto para tratar. É preciso uma pausa, calma e tranquilidade. 2021 já foi forte demais, 2022 promete emoções ainda maiores. Enquanto isso, vou escrevendo como posso. Não a ficção que gostaria, mas com planos futuros. Preciso e quero escrever ainda mais. A pandemia nos exige formas de lidar com tudo o que aconteceu. Nunca mais seremos os mesmos, todos passamos marcados pelas perdas que vivemos. Ainda estamos lidando com um luto coletivo de mais de 600 mil vidas perdidas, enquanto enfiam goela abaixo de que é possível termos um “novo normal”.


Tenho evitado fazer planos longos. Os dias têm passado e eu os vivo na base do improviso. Coisas que aconteceram, deixaram de ocorrer, situações que surgem, momentos inesperados que surpreendem. Tudo isso se torna um ingrediente importante para escrever. Quase tudo em minha rotina muda, menos aquilo que tenho feito quase todos os dias. Por isso o medo pela paralisia inicial. Escrevo aqui sobre o medo de não conseguir falar tudo o que tenho para dizer. Ainda espero pelo dia que conseguirei. A escrita me permite viver tudo aquilo que não consigo colocar em prática. Portanto, sigo escrevendo.