“Navegar é preciso; viver não é preciso.”
– pelo menos não no sentido de precisão.
(Fernando Pessoa).
Há um tempinho, por conta do acaso, conversei com uma senhora. O motivo que ‘enlenhou’ o fogo de minha curiosidade foi o nome que carregava. Chamava-se Eneida. “Bem legal!” – pensei. Então, faceiro por ter encontrado algo de dentro, mas tão fora daqueles mundos quietinhos que as palavras escondem, logo questionei: “Que bonito seu nome. Sabe o que significa? O motivo?” Não, ela não sabia. Tratava-se de uma pessoa simples (lembrando que simples não quer dizer simplória). Daí – meio desajeitado – tentei costurar uma explicação pouco mais clara para tanta ‘boniteza’. Comecei falando das epopeias de Homero.
Em seguida passeei pelas Tragédias Gregas para ver se afinava algum entendimento. Até, finalmente, chegar ao clássico de Virgílio, a, também, epopeia “Eneida”. “Meu nome é uma tragédia!” – nem titubeou em protestar. “Capaz! Seu nome vem de um livro bem bonito.” “Bom!” – raciocinei – Talvez seus pais tivessem achado ele só bonito mesmo, ou, quem sabe, realmente tinham um propósito para o batismo.
Ninguém pode saber, creio que não existam mais fontes que mantenham as sedes desses questionamentos. No entanto, percebi minha inconveniência e, claro, mudei o rumo da prosa. Afinal, quem faz o nome é o vivente. A vida não é como a arte, nela nem tudo precisa ter razão de ser, apenas precisa ser.
Sorte que nem cogitei que o autor que escreveu a “Eneida” orientou Dante pelo inferno. Isso na literatura, óbvio. Contudo, – confesso – como seria difícil dissuadi-la dessa ideia pouco mais perigosa…
Mais uma lição aprendida. Apesar de meu nome não significar nada, achei um tudo para engordar esta pouca razão em ter que carregá-lo. Senti-me mais leve por encontrar o desnível da existência. “Droga, Dilso! Viver não é preciso. Nem tudo se amarra aqui fora. As amarras são justamente as cordas que te prendem ao tentar tramar, engendrar sentidos para tudo”. Percebi meu próprio espanto, já que sempre pensei nos nomes para alinhar a vida – e a vida não se alinha, a vida se vive, não se ancora em coisa alguma.
Como é difícil nos lembrarmos de que o mundo aqui de fora não tem que, necessariamente, obedecer a tudo o que as palavras dizem (elas pertencem a outro universo, um mais silencioso). Falo das ideias contidas nos livros, nas imagens, estas que carregam uma vontade maluca de invadir as nossas, elas se inspiram nas reais, na vida cotidiana, mas pertencem às franjas da realidade.
Enfim, não nego, achei o nome bonito e de muito bom gosto. Tive que escrever. Temo a ideia de que elementos assim se percam. O que me faz recordar de uma entrevista dada ao “Globo Rural” a respeito da produção de cacau em Ilhéus, na Bahia. Acreditem: o entrevistado carregava o sobrenome de Badaró (personagem da obra “Terra do sem-fim”). Jorge Amado, seu safadinho…