Início Geral Enchente | Situação normalizada no bairro Várzea

Enchente | Situação normalizada no bairro Várzea

Prefeitura emitiu alerta de retirada de moradores na quarta-feira após pontos de alagamentos

Bairro Várzea começou a alagar na quarta-feira
Guilherme Athayde

Fabrício Goulart
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Eram já 15 horas da quarta-feira, dia 13, quando os moradores do Bairro Várzea se reuniam no entroncamento da Rua Irmão Emílio para dar uma espiada na água que se acumulava. O grupo era formado por residentes já de várias décadas, que acompanhava a situação embaixo de guarda-chuvas. Vez ou outra, alguém arriscava palpites sobre uma possível invasão da água às casas do entorno. Só que não em tom de surpresa. Quando começam as chuvas intensas, os moradores já sabem que há possibilidade de cheia.
Morador do bairro há quase 30 anos, Ari Miguel Lourenço Fernandes (60) tem um estabelecimento comercial próximo à Rua Irmão Emílio, distante apenas alguns metros, e se diz habituado. Ele tinha a impressão de que dessa vez a água não atingiria as casas. “Em Sinimbu está baixando, então acho que dessa vez não vai”, ponderava.
A opinião era compartilhada por Astor Bartz (71), que também integrava a comitiva. Contudo, ele preferia não prever em voz alta algo que se mostrava sempre imprevisível. “Já perdi duas vezes os meus móveis. A água já ficou 80 centímetros acima do piso”, explicou. Na dúvida, José Gervazoni (65) partiu para a ação, pegou uma enxada e tentou escoar a água acumulada: “Já estou acostumado.”
O Rio Grande do Sul passa pela segunda semana consecutiva de chuvas intensas, com vendavais, temporais e enchentes. Até sexta-feira, dia 15, o número de mortos chegava a 48, 4.898 pessoas estavam desabrigadas e outras 20.969 desalojadas, conforme levantamento divulgado pela Defesa Civil estadual. Ao todo, 103 municípios tinham sido atingidos.
O Executivo emitiu um alerta de risco iminente de enchente na quarta-feira, apontando para, além do Várzea, como área de risco os bairros Rauber e Corredor Morsch e Linha Araçá, em Monte Alverne. Por meio de nota, afirmava que “as condições climáticas atuais indicam que fortes chuvas estão previstas para as próximas horas, o que pode agravar ainda mais a situação”.
A situação no Bairro Várzea foi acompanhada pela Defesa Civil e soldados do 7° Batalhão de Infantaria Blindado (7° BIB), que trabalharam na retirada dos moradores que começaram a ficar ilhados. Conforme estimativas, cerca de 100 residências poderiam ser atingidas. À tarde, a prefeita Helena Hermany acompanhou as equipes. “Peço, encarecidamente, que saiam de suas casas o quanto antes para se abrigarem, pois não sabemos onde essa água vai parar e ficar aqui é muito perigoso”, disse a prefeita, em nota repassada à imprensa.
Em Linha Santa Cruz, no outro lado da cidade, a subprefeitura interditou, no mesmo dia, a Travessa Kesller, devido a possíveis riscos de desmoronamento. Em nota, o Executivo informou que a situação foi contatada após uma árvore cair e obstruir a via. A Prefeitura procedeu a remoção e aguardava um laudo, pela Defesa Civil, para a liberação.
O tempo instável das últimas semanas deve ser seguido de tempo mais estável no fim de semana. Conforme previsão divulgada pela Metsul, com a influência de um centro de alta pressão, o tempo firme deverá predominar com muito sol. A temperatura deverá se elevar rapidamente durante o fim de semana e a tendência é de um domingo de sol e forte calor durante a tarde em vários municípios.

Regresso aos lares

Em nota emitida pela Prefeitura Municipal, a Defesa Civil informou, na quinta-feira, 15, que a Rua Irmão Emílio, no Bairro Várzea, já estava totalmente liberada para o trânsito de pedestres e veículos. Moradores que estavam abrigados no Albergue Municipal já puderam regressar para seus lares, assim como os demais desabrigados que se alojaram nas casas de parentes e amigos. A estimativa é de que aproximadamente 100 residências tenham sido atingidas pela enchente, mas não foram constatados prejuízos materiais graves em nenhuma delas.

“Fiquei de segunda até quarta sem notícias da minha família e amigos”

O professor de inglês Alisson Pereira Fleck (23) é natural de Muçum, a cidade com o maior número de vítimas pela enchente. Trabalha no Colégio Mauá e na Unisc Idiomas e, na segunda-feira, dia 4, fechava as últimas notas do semestre quando começou a receber notícias sobre as fortes chuvas que resultaram em uma tragédia no Vale do Taquari.
Ficou nervoso já nas primeiras mensagens, lembrando da cheia anterior, em 2020, bem no início da pandemia da Covid 19, que à época havia deixado os moradores apreensivos. Tendo se mudado para Santa Cruz do Sul há apenas seis anos, tem na cidade raízes que se mantêm fortes até hoje a partir de familiares e amigos de infância.
A última mensagem que recebeu foi de que a água havia atingido a casa de sua avó. Depois disso, a cidade ficou sem luz, sem internet e sem telefone. “Fiquei de segunda até quarta sem notícias da minha família e dos meus amigos. Nada. Em um limbo, muito nervoso”, diz. Para a sua tranquilidade, a próxima mensagem seria dizendo que estavam todos bem.
Todos, não. A família estava bem. A pequena Muçum, que não chega a ter 5 mil habitantes, registrava até ontem, dia 15, o total de 16 mortos – a maior parte das vítimas no Estado. “Muçum é muito conhecida por ser uma cidade em que todo mundo se conhece. Principalmente a área urbana é muito pequena. Todos se conhecem, sabem o que você faz, quais lugares frequenta”, explica.
Pelo menos oito das vítimas eram conhecidas por Fleck. “Ficamos completamente abalados. Isso nos choca bastante, porque são pessoas que conhecíamos e víamos na rua. Que a gente cumprimentava no Centro, no dia a dia. É bem difícil”, desabafa.
Depois que se iniciou um movimento para a recuperação do município, e as vias foram liberadas, o professor pôde reencontrar amigos e familiares. Entretanto, diz que a ferida é bastante feia: “Há um sentimento que permeia todo mundo, algo difícil de explicar. A cidade tem um cheiro muito forte agora, de sujeira.”
Apesar da tristeza, Alisson Fleck se diz otimista: “O povo de Muçum é forte”. Para ele, a cidade vive um luto, mas se reerguerá e seguirá em frente. “A minha família está lá, exausta, trabalhando. Há muita coisa para se fazer.” Para quem deseja auxiliar, ele pondera: “É importante que as pessoas não se esqueçam da tragédia. Hoje são muitas doações, mas no mês que vem e no outro as pessoas ainda vão precisar. Então, é importante que continuem, por enquanto.”

“Fiquei de segunda até quarta sem notícias da minha família e amigos”

Alisson Pereira Fleck é natural de Muçum e passou por momento de grande angústia
Fotos Fabrício Goulart

O professor de inglês Alisson Pereira Fleck (23) é natural de Muçum, a cidade com o maior número de vítimas pela enchente. Trabalha no Colégio Mauá e na Unisc Idiomas e, na segunda-feira, dia 4, fechava as últimas notas do semestre quando começou a receber notícias sobre as fortes chuvas que resultaram em uma tragédia no Vale do Taquari.
Ficou nervoso já nas primeiras mensagens, lembrando da cheia anterior, em 2020, bem no início da pandemia da Covid 19, que à época havia deixado os moradores apreensivos. Tendo se mudado para Santa Cruz do Sul há apenas seis anos, tem na cidade raízes que se mantêm fortes até hoje a partir de familiares e amigos de infância.
A última mensagem que recebeu foi de que a água havia atingido a casa de sua avó. Depois disso, a cidade ficou sem luz, sem internet e sem telefone. “Fiquei de segunda até quarta sem notícias da minha família e dos meus amigos. Nada. Em um limbo, muito nervoso”, diz. Para a sua tranquilidade, a próxima mensagem seria dizendo que estavam todos bem.
Todos, não. A família estava bem. A pequena Muçum, que não chega a ter 5 mil habitantes, registrava até ontem, dia 15, o total de 16 mortos – a maior parte das vítimas no Estado. “Muçum é muito conhecida por ser uma cidade em que todo mundo se conhece. Principalmente a área urbana é muito pequena. Todos se conhecem, sabem o que você faz, quais lugares frequenta”, explica.
Pelo menos oito das vítimas eram conhecidas por Fleck. “Ficamos completamente abalados. Isso nos choca bastante, porque são pessoas que conhecíamos e víamos na rua. Que a gente cumprimentava no Centro, no dia a dia. É bem difícil”, desabafa.
Depois que se iniciou um movimento para a recuperação do município, e as vias foram liberadas, o professor pôde reencontrar amigos e familiares. Entretanto, diz que a ferida é bastante feia: “Há um sentimento que permeia todo mundo, algo difícil de explicar. A cidade tem um cheiro muito forte agora, de sujeira.”
Apesar da tristeza, Alisson Fleck se diz otimista: “O povo de Muçum é forte”. Para ele, a cidade vive um luto, mas se reerguerá e seguirá em frente. “A minha família está lá, exausta, trabalhando. Há muita coisa para se fazer.” Para quem deseja auxiliar, ele pondera: “É importante que as pessoas não se esqueçam da tragédia. Hoje são muitas doações, mas no mês que vem e no outro as pessoas ainda vão precisar. Então, é importante que continuem, por enquanto.”

Ari Fernandes afirma que alagamento
é recorrente
Astor Bartz já perdeu os móveis em duas enchentes
José Gervazoni tentava escoar a água que se acumulava