A corrida pela prefeitura de Santa Cruz em 2024 trouxe surpresas e pode marcar um novo ciclo na política do município, segundo o candidato do Partido dos Trabalhadores, o professor João Pedro Schmidt. Na chapa com a também professora Marta Nunes, a dupla do Partido dos Trabalhadores (PT) recebeu 6.507 votos (8,22%) na eleição do dia 6 de outubro, ficando na última posição entre as quatro concorrentes.
A candidatura João Pedro e Marta mais do que dobrou o número de votos recebidos na comparação com a chapa do PT na campanha eleitoral em 2020. Apesar disso, a expectativa do partido em 2024 era alcançar entre 15 a 20% do eleitorado Santa-cruzense, números próximos da margem de erro da pesquisa eleitoral publicada no dia 2 de outubro, que colocava a candidatura do PT na terceira posição, atrás de Sérgio Moraes (PL) e Helena Hermany (Progressistas), com 14,7% das intenções de voto.
O candidato petista avalia que a diferença de votos entre o previsto na pesquisa e a contagem real das urnas foi devido à disputa Moraes/Hermany, onde o eleitorado do PT dividiu-se para tentar evitar a eleição de um ou outro representante de duas famílias tradicionais da política da cidade.
“A explicação que a gente encontra é o voto útil, a favor de um ou de outro. Acabou pesando isso, embora a campanha foi boa, o resultado foi fraco. Nós tínhamos campanha para fazer bem mais. O crescimento é importante. A unidade interna do partido também é algo a ser valorizado, mas nosso potencial era maior”, lamentou Schmidt.
A próxima corrida eleitoral em Santa Cruz terá um cenário diferente, segundo João Pedro. As investigações de fraudes em licitações de contratos do atual governo podem deixar de fora do próximo pleito dois fortes concorrentes: a atual prefeita Helena, e seu filho e ex-vereador e ex-secretário municipal, Henrique Hermany, acusados de envolvimento no esquema de corrupção investigado pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado do Ministério Público do Rio Grande do Sul (GAECO/MPRS).
Chamada de “Operação Controle”, a ação denunciou em abril deste ano, 20 pessoas por fraudes em licitações que teriam desviado cerca de R$ 47 milhões dos cofres públicos. A prefeita ficou de fora da denúncia, mas Henrique, o vice-prefeito Elstor Desbessel e quatro secretários municipais estão sob a mira do Ministério Público.
“Em princípio, essa polarização entre duas famílias acabou. A família Hermany sai de cena completamente arranhada. O filho fora da política por não ter sido eleito. A atual prefeita e o marido já em idade avançada, dificilmente vão ter ‘energia política’. Avaliamos que o quadro mudou profundamente. Vamos estar na busca de uma alternativa”.
Um dos desafios do PT será trabalhar com a rejeição do público Santa-cruzense, tradicionalmente conservador. João Pedro lembra que o partido passa por uma recuperação de imagem após eventos traumáticos nos anos anteriores, como o que ele classifica de golpe de Estado contra a ex-presidente Dilma Roussef e a prisão do presidente Luís Inácio Lula da Silva.
“Nesta campanha percebemos uma recuperação desta imagem. E a receptividade nas ruas também. Meu nome tinha uma resiliência, embora estivesse parado há 20 anos, mas estava ativo na comunidade em várias frentes, principalmente na Universidade, então meu nome ainda guardava uma memória da minha atuação, que foi considerada boa na época, enquanto vereador e enquanto dirigente da Unisc. E a Marta, uma figura nova, que agregou a questão tanto de ser mulher quanto de ser negra”, destacou.
A primeira candidata negra ao Executivo em 146 anos
A vice candidata na campanha do PT na corrida eleitoral pela prefeitura de Santa Cruz do Sul representa uma quebra de paradigma: pela primeira vez uma mulher negra concorreu ao Executivo desde a emancipação do município, no ano de 1877.
Marta Nunes avalia que sua presença entre os concorrentes ao Executivo foi vista como uma surpresa para parte do eleitorado, mas afirma que sempre se sentiu preparada para representar a diversidade que existe em Santa Cruz do Sul.
“Eu, como negra, e minha família com trajetória aqui, sei que a cidade tem uma diversidade imensa e eu tenho certeza que poderia representar, não só eu, mas outras candidaturas, de homens negros, ou de mulheres. Tem três circunstâncias, a questão de ser mulher, de ser negra, e de ser de origem periférica. Para muitas pessoas isso foi uma surpresa interessante, para outras nem tanto, mas a ideia sempre foi trazer essa possibilidade”.
Superar as barreiras do machismo e misoginia política que persistem no País são desafios de candidaturas como as de Marta. Professora universitária graduada em química com um pós doutorado realizado nos Estados Unidos, ela entende que é necessário viabilizar a pessoas com menos oportunidades as mesmas chances que teve.
“A gente às vezes consegue superar barreiras, por exemplo, a gente já teve prefeitas, candidatas a prefeitas e vice prefeitas mulheres. Mas todas mulheres brancas. Quando a gente coloca, vivendo situações de misoginia e machismo, desqualificação e ataques, a gente vê isso o tempo todo. Quando tu colocas um segundo componente, de ser negra, isso se torna mais uma barreira a ser ultrapassada”.
Mesmo sendo de outros partidos, a candidata pelo PT vê com bons olhos o fato de duas mulheres terem (Nicole Weber e Bruna Molz) conquistado a reeleição na Câmara de Vereadores. Mas Marta entende que a diversidade ainda é uma barreira a ser enfrentada no Legislativo.
“Tínhamos vários perfis de mulheres do campo da esquerda que deveriam estar nessa câmara, pois não é uma mulher que pode representar todas. É muito bom que elas estejam lá, que tenham sido reeleitas por mérito delas, mas a Câmara de Vereadores deveria ter mulheres de outros perfis para estar juntas com essas vereadoras reeleitas para poder fazer um trabalho de maior impacto pra população de Santa Cruz”.
Meio ambiente e justiça climática: contribuições para a atual gestão
Questionados sobre qual proposta de campanha do PT poderia servir de sugestão para o prefeito eleito, Sérgio Moraes (PL), os candidatos João Pedro e Marta Nunes mostraram preocupação com as questões climáticas.
“Este novo governo, ao meu ver, não tem nada preparado para enfrentar as mudanças climáticas. O atual prefeito nem imagina a profundidade do problema. (…) Pelo que se observou nos debates e na campanha, este novo governo não está minimamente preparado. Talvez nem para ajustar os problemas ligados à enchente no Rio Pardinho. A mudança climática não é o maior problema de Santa Cruz, é o maior problema do Planeta”, avalia Schmidt.
Marta vai mais além: para ela, é necessário compreender um novo conceito na preservação do meio ambiente:
“Justiça climática é a gestão pública trabalhar no sentido de proteger os mais desamparados em momentos de desastres climáticos. É garantir proteção a quem tem menos condições de se proteger e ter amparo. O João fala muito de mudanças climáticas. Eu acrescento o termo ‘Justiça climática’, pois essa questão das mudanças climáticas dialoga com justiça social”.
Além da questão ambiental, Marta destaca do programa do PT a questão de mobilidade urbana para melhorar a vida da população, através do aumento das isenções nas passagens de ônibus.
“Se não puder chegar até a gratuidade, que se estendam essas isenções que existem atualmente para que a população realmente possa, não só usufruir da cidade, mas ter acesso a serviços essenciais como saúde e educação, sem um custo tão grande como é o do transporte público”.