Institutos jurídicos, conceitos afirmados, a Lei em um sentido amplo não podem ser adotados ou repelidos por atos de conveniência, por mais preciosas sejam as razões invocadas. Nesse campo, os fins não podem justificar os meios utilizados para alcançá-los.
A norma não pode ser corrompida. As chamadas “regras do jogo” valem sempre e para todos, sem exceção. Vale para os homens “bons” e para os homens “maus”, seja lá o que esses predicados signifiquem.
A Lei, adequada ou não, é acima de tudo uma garantia para todos nós, hoje e sempre. É uma salvaguarda que estabelece limites a todo exercício de poder. Assegura o que pode e o que não pode ser feito. Justiça e vingança são caminhos que jamais se encontram.
Se a argumentação não convence, que ao menos se tenha a clareza que ninguém, absolutamente ninguém, está imune de um dia ser, justa ou não, acusado, processado, interditado, abordado, etc, pelo poder Estatal.
A evidência maior da importância desse direito fundamental, se dá quando os seus mais ferrenhos detratores dele se socorrem, na primeira oportunidade em que em que sentem o peso do abuso, a lança da injustiça.
Desde muito tempo sou crítico da ânsia repressiva geradora de responsabilidade objetiva da culpa presumida, que contamina inclusive operadores do direito e é potencializada pela (parte da) mídia do espetáculo, sem apego aos valores constitucionais, que flerta com o simplista/reducionista “pensamento” comum – simplista, deformando a informação ou, nas palavras do jornalista Juremir Machado da Silva, “fazendo média com o senso mediano”.
Poderia falar da deturpação da teoria do domínio funcional do fato (Roxin), base da condenação pelo Supremo Tribunal Alemão dos mandantes do massacre nazista, provado de modo robusto que, a despeito de não terem executado, coordenaram e dominaram os atos criminosos, desde a sua idealização até o exaurimento. Foi invocada para condenar Fujimori no Peru e o presidente da Junta Militar Jorge Rafael Videla na Argentina, pelos crimes de sequestro e mortes de opositores.
Não basta mera ascendência hierárquica, posição de mando ou “dever de saber”, pondo-se imprescindível prova concreta (e não presunção) do dolo, do nexo de causalidade e, nesta ordem, da forma de envolvimento. Essa última exige demonstração cabal da emissão de uma ordem, da distribuição de tarefas, a arquitetura da prática criminosa e do controle das ações até o resultado.
A responsabilização criminal tem como um dos seus requisitos uma conduta (ação ou omissão) dolosa ou culposa. A rigor, dolo é intenção, expressão de vontade, de desejo. Nessa modalidade, estamos a falar de dolo direto, de uma ação de querer um determinado resultado. No outro extremo está a forma culposa, na qual não se cogita da vontade de produzir um fato específico. Ela se revela numa conduta negligente ou imprudente ou imperita.
Entre uma e outra, duas variantes: dolo eventual e culpa consciente. O Código Penal Brasileiro, ao tratar do dolo eventual, adota a teoria do consentimento e, com efeito, a distingue da culpa consciente. Em ambas, um ponto comum: a existência de um comportamento que se estima arriscado.
A diferença é a aceitação ou não de o risco previsível produzir determinado resultado. No dolo eventual, o sujeito pratica uma conduta arriscada, aceitando, anuindo com o resultado. Ele vai adiante, até o fim. Não se importa com as consequências, é indiferente aos danos que os riscos podem produzir. Diz: “dane-se”, “se acontecer, azar”, “não estou nem aí”. A vontade, em certa medida, se faz real. Ausente prova sólida do consentimento, naufraga a hipótese de dolo eventual e emerge a da culpa consciente.
Nela, o autor prevê que sua conduta pode eventualmente provocar um dano, porém não tolera o resultado, ele sinceramente não admite, não aceita a conversão do risco em um dano. Ele confia que o evento não ocorrerá ou que, na iminência de acontecer, conseguirá evitá-lo.
Quem não quer o resultado ou não aceita o risco não comete crime doloso, mas sim, culposo.