A revista Época desta semana, edição do dia 9 de julho, traz uma breve reportagem sobre o ex-ministro da Saúde (2007-2010) José Gomes Temporão. Em depoimento a Isabel Clemente, Temporão discorre brevemente sobre sua trajetória profissional. Nascido em Portugal e naturalizado brasileiro, formou-se em medicina na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Especializou-se em doenças infectocontagiosas, trabalhou em saúde pública, em ambulatório de empresa, em obstetrícia. Fazia partos. Foi também professor e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz. Pela natural impossibilidade de conciliar múltiplas atividades, enveredou para a saúde pública, e galgou espaços até chegar a Ministro da Saúde.
Mas, afinal, o que me traz a falar desta reportagem? Chamou-me atenção a declaração de que “a transição do micro para o macro é muito complexa”. Isto é evidente, mas experimentar as duas pontas do sistema é, no mínimo, absurdamente interessante. O impacto “macro” das decisões políticas como, por exemplo, a construção de hospitais ou o fortalecimento dos já existentes, pode sim ser comparado com o impacto das relações médico-pacientes, que o Dr. Temporão chama de “micro”. E não chama assim de forma pejorativa. Pelo contrario, enfatiza a importância da abordagem clínica na consulta médica “numa medicina cada vez mais científica e técnica”.
Esta coluna abre aspas, e cita o Dr. Temporão: “Se couber algum tipo de recomendação aos jovens profissionais, diria para ir além da teoria e da prática. Para planejar nossa vida profissional, precisamos, sim, da ciência. Mas essa nem sempre consegue referir-se ao ser humano em sua totalidade. Não é incomum que se recorra às artes e à razão estética para, junto da ética e da política, fazermos nosso trabalho. Se ousasse prescrever algo, hoje, para os colegas médicos e das demais profissões do campo da saúde, seria atenção às questões da política e do poder na sociedade. Leiam tanta poesia quanto literatura científica. Permitam-se atravessar fronteiras de conhecimento para ponderar outras maneiras de pensar, de fazer e de compreender a vida que compartilhamos para melhor exercer sua clínica, a arte do cuidar, planejar, gerir, pesquisar e ensinar.”
Paro, por alguns minutos, de escrever este texto. Vou procurar um antigo recorte de jornal que sei que tenho. Achei! Um pedaço de jornal amarelado pelo tempo. O texto é ilustrado por uma foto do professor Dr. Mario Rigatto, hoje já falecido. O texto cita um trecho da sua conferência na abertura do 16° Congresso Amrigs em maio de 1999, em Porto Alegre: “O médico tem que treinar reações complexas. Ele precisa aprender a ter uma roupagem por fora e outra por dentro, sem ser falso. Ele não pode franzir o cenho, pois o doente vai achar que o seu caso é grave. Não pode se emocionar a ponto de falar com a voz embargada, porque a voz embargada perde força de convicção. O médico não pode chorar, pois a lágrima rouba cuidado ao diagnosticista. Ele não pode tremer, pois não faz bem ao bisturi. Então, eu quero um médico por fora com um amplo domínio das emoções, mas por dentro eu quero o mais sentimental dos seres humanos, que se compadeça com a dor e o sofrimento. Esta dupla roupagem é muito difícil de vestir…”
Esta semana fui surpreendido com uma pergunta de um conhecido meu. Perguntou-me de onde tiro as coisas que escrevo nesta coluna. Quase não escrevi esta semana por pensar que talvez muitos compartilhem desta dúvida. Acima cito a revista Época e um recorte de jornal amarelado pelo tempo. Dr. Temporão tem razão: “a transição do micro para o macro é muito complexa”. Algumas perguntas devem ser revistas antes de serem feitas. Mas nem por isto perdem valor, podem ser valorizadas por respostas amareladas, coloridas pelo tempo.