Ana Souza
Dizer que a mulher é o sexo frágil, realmente é absurdo. A força feminina vai além de cuidar da casa e da família. Mulher é muito mais que apenas um gênero, é ter desafios. E não há limites para o que elas possam realizar e conquistar. Ser mulher é ser dona de uma força interior que impulsiona e faz seguir em frente.
Com o objetivo de prestar uma homenagem às mulheres que têm sua data alusiva no dia 8 de março, o Riovale Jornal, a partir desta edição, publicará páginas especiais com depoimentos daquelas que nos representam nas forças de segurança e mostram que somos capazes de ultrapassar limites. Abrimos os depoimentos com um mais do que especial. Uma homenagem para a sargento Marciele dos Santos Alves, policial da Força Tática do 23º Batalhão de Polícia Militar de Santa Cruz do Sul, falecida em 2019, em meio ao serviço policial. As palavras repletas de emoção são da mãe, Carmen Lucia Kappel.
“Para sempre, saudades”
“Quanto mais o tempo passa, mais sozinha se torna minha dor. Há quase dois anos e meio minha soldado, a sargento Marciele se foi. Lutava por mais segurança, por mais amor ao próximo e mais amor com as mulheres. Empatia, essa era a palavra que ela usava. ‘Mãe, o dia que mais um homem levantar a mão para ti, tu procura teus direitos. Eu faço a minha parte, homem que não valoriza mulher não tem vez em meu serviço’. Ela era perfeita nas palavras, trabalhava como louca, tinha princípios de admirar. Organizada, tornou-se fisioterapeuta com muito orgulho. Festeira e pronta para ajudar a todos que pediam. Lutou e conseguiu trabalhar onde queria, apesar de as mulheres serem muito desvalorizadas ainda, tu se foi fazendo o que queria.
Este ano, Marciele estaria fazendo 31 anos. E que orgulho de mulher ela era, tantos sonhos, tanto brilho nos olhos. Tentava conciliar a família, estudos, trabalho, e pretendia ser delegada, sonho que não conseguiu concluir. No Dia da Mulher me ligava cedo, sempre rindo e brincando, dizendo que hoje tinha festa. É nosso dia. Levo a minha vida tentando não deixar apagar teu nome Marci, com nosso grupo de ações ‘De Mãos Dadas com a Sargento Marciele’, onde ajudamos pessoas em situação de rua, crianças e quem precisa. Confesso que, às vezes, sinto um aperto mais forte, dolorido, mas levanto a cabeça e sigo. Até porque nossa ligação é eterna. Obrigada por me tornar uma grande mulher, por me ensinar tanto, parabéns por nosso dia. No dia 15 de março receberei uma homenagem da Câmara de Vereadores de Cachoeira do Sul. Uma homenagem para nós duas.”
“Ainda somos vistas como frágeis”
“Ingressei no Corpo de Bombeiros Militar do Rio Grande do Sul (CBM/RS) há quase 5 anos. Sou formada técnica em Enfermagem há 12 anos. Meu marido, que também é militar, me incentivou a prestar concurso para que eu pudesse unir o amor que tenho pelo atendimento pré-hospitalar com uma estabilidade financeira que o concurso público te traz. Foi durante o curso de formação de soldados quando vi que esse era o trabalho que me realizava. Em 2018, servi no 8° Batalhão de Bombeiro Militar (BBM) em Canoas por sete meses. Em 2019, vim transferida para o 6° Batalhão de Bombeiro Militar (BBM) de Santa Cruz do Sul, onde resido. Hoje, desempenho a função no serviço operacional.
Atualmente, um dos desafios mais recorrentes da profissão é ainda ser vista como frágil. Por ser mulher, algumas pessoas, durante o atendimento de uma ocorrência, se espantam em ver uma mulher no combate a incêndio ou em um resgate veicular, por exemplo. Porque é uma profissão que durante longos anos era vista somente homens trabalhando e hoje cada vez mais mulheres estão ingressando na instituição. Então o desafio diário é mostrar pra população que eu posso e que eu consigo trabalhar igual ao meu colega, que ser mulher não me faz menos que ninguém durante o atendimento.
Nosso trabalho nos dá a oportunidade de colecionar momentos marcantes. Mas, hoje, eu cito uma ocorrência de atendimento a um jovem, em parada cardiorrespiratória, onde eu e meu colega conseguimos reverter a situação com a manobra de ressuscitação cardiopulmonar, é um momento que tu vibra, de ver que teu trabalho, tua técnica, deram certo! E ver que tu deu teu melhor para salvar um jovem que tem a vida toda pela frente, a sensação é muito gratificante.
A mulher nas forças de segurança e representatividade! O poder que a mulher tem em ser o que ela quiser. Assumir uma profissão ‘masculinizada’ pela sociedade e mostrar que tu é capaz!”
“Não existem obstáculos intransponíveis para nós”
“Ingressei na Brigada Militar em 2008, sendo promovida a capitão em 2009. Iniciei minha carreira no Comando Ambiental, em Porto Alegre. Estive na Casa Militar, e depois retornando para a BM servi no 9° BPM, no centro da Capital. No 26° BPM em Cachoeirinha, no 19° BPM na zona leste da Capital gaúcha, tendo sido promovida ao posto de major em 2019 e sido designada para o Departamento de Saúde da BM, local em que permaneci até 2021. Em ato contínuo, servi no Comando de Polícia de Choque e hoje estou no Gabinete do Subcomandante-Geral da BM.
Acredito que o principal desafio na profissão de policial militar para uma mulher é justamente a nossa afirmação diante do nosso meio. Precisamos ainda demonstrar que possuímos as mesmas condições de exercício da função num ambiente predominantemente masculino, e isso se dá através do trabalho, da postura e da dedicação para com a instituição e a sociedade.
Um momento que marcou a minha carreira foi quando recebi a espada, arma e símbolo do Oficial, da governadora do Estado na minha formatura de capitão da BM, em decorrência de ter sido classificada em 1° lugar no curso de formação.
A mulher atuar nas forças de segurança representa, justamente, que não existem obstáculos intransponíveis para nós, temos nossas valências e capacidades hoje bem sedimentadas no campo da segurança pública, muito embora ainda tenhamos resistências, o que são irrelevantes diante das demonstrações que temos no dia a dia construído para a sociedade gaúcha.”
“Sabemos que somos capazes de desempenhar muito bem nossa função”
“Sempre admirei a instituição Polícia Rodoviária Federal (PRF) e seu trabalho à sociedade. Diante disso, em 2019, iniciei os estudos com foco no cargo de Policial Rodoviário Federal. Na primeira tentativa, em 2019, não consegui ser aprovada. Já em 2021, obtive êxito. Além da prova objetiva, foram diversas fases. Cada uma com suas peculiaridades e preocupações, mas, certamente, a mais desafiadora e transformadora para mim foi o Curso de Formação Profissional. Desafios diários que fizeram eu ter certeza de que era capaz de muito mais do que aquilo que imaginava. Atualmente, trabalho na Delegacia PRF com sede em Lajeado-RS.
De forma geral, o ambiente da segurança pública no Brasil e no mundo ainda é composto majoritariamente por pessoas do sexo masculino e, por essa razão, em determinadas situações, nós mulheres precisamos nos impor e provar que somos capazes de realizar tarefas que até então eram desempenhadas somente por homens. Apesar das provações, nós sabemos que somos capazes de desempenhar muito bem nossa função e o quão importante nós somos para a instituição no combate à criminalidade, na fiscalização do trânsito, no atendimento de acidentes e em todas as entregas que a PRF precisa fazer para a sociedade.
Um momento que marcou a minha carreira, certamente, foi minha primeira prisão em flagrante. Na ocasião, encontrei com o condutor de um veículo 1kg de cocaína. Senti que estava contribuindo para o combate ao tráfico de drogas e impedindo que a droga destruísse a vida de uma família.
A mulher atuar nas forças de segurança pública no Brasil, além de realização pessoal e profissional, representa a certeza de que a mulher pode fazer a diferença. Representa minha coragem, minha vontade de ser melhor a cada dia, de me aperfeiçoar, de me adaptar a situações imprevisíveis, de me superar. E mais que isso, representa minha fé naquilo que é correto, nas condutas devidas, na justiça e na minha contribuição para a construção de uma sociedade melhor.”
“Mulheres podem ser exatamente o que quiserem ser”
“Desde a adolescência, cultivava o desejo de atuar em uma profissão que fosse útil para a sociedade. Aos 24 anos, prestei concurso para Brigada Militar e o sonho começava a se tornar realidade. Após as fases do concurso e nomeação, minha formação foi no 2º BPM em Rio Pardo, na sequência fui classificada no 23° BPM em Santa Cruz, onde atuei por 12 anos, contribuindo na parte operacional e administrativa. Realizei atendimento de ocorrências no policiamento ostensivo, Força Tática e Patrulha Maria da Penha.
O serviço no policiamento ostensivo e na Força Tática geralmente é muito intenso, abordagens, prisões e muita correria. Eu gostava demais da adrenalina. Fui a primeira policial feminina lotada na Força Tática do 23º BPM e atuar em um trabalho mais repressivo nunca foi motivo para me sentir intimidada. Sempre tive respeito durante as abordagens e o fato de ser mulher nunca foi problema. Nós, policiais femininas, temos conhecimento das nossas diferenças e características. Em geral somos mais detalhistas e observadoras. Temos resultados satisfatórios sem o uso da força e se preciso for, estamos bem preparadas para usar.
Mas, foi na Patrulha Maria da Penha que encontrei o propósito, atuando em ações preventivas e repressivas contra a violência doméstica. Com o objetivo de quebrar o ciclo da violência, a patrulha realiza o acompanhamento da vítima e da sua família. Já passei dias e noites envolvida, movimentando todos os níveis da rede de proteção para conseguir ajudar e abrigar a vítima e prender o autor. É um trabalho velado e repetitivo, mas ver que vidas foram salvas pelo nosso esforço, compaixão e atuação é gratificante.
Atualmente, estou lotada na 2ª Cia Rodoviária da Brigada Militar, no Pelotão de Santa Cruz do Sul, onde contamos com mais três policiais femininas. Quando abordo os caminhões percebo uma expressão de surpresa nos motoristas, porém sempre me tratam com muito respeito. A diversidade de funções não nos permite ter rotina, temos sempre um dia diferente do outro. Sinto muito orgulho em ser policial Militar, mesmo com as dificuldades, não me vejo atuando em outra profissão.
O machismo e o preconceito, infelizmente, estão em todos os lugares, e não é exclusivo dos homens. Quando escuto algum comentário maldoso, eu não me abalo, não me coloco na posição de vítima. Sou mulher, mãe e concursada. Tenho disposição para enfrentar qualquer situação e não aceito ser vítima do machismo.
Eu faço a minha melhor continência para todas as mulheres corajosas que atuam nas forças de segurança; guardas municipais, bombeiras, vigilantes, exército, policiais civis e militares. Se uma mulher quer seguir a carreira militar, ela só precisa ter força, foco e conquistar o seu lugar sabendo que ela pode.
Mulheres podem! Podem ser exatamente o que quiserem ser!”
“A presença da mulher é marcante e mostra sua capacidade”
“Minha história na Brigada iniciou em 17 de fevereiro de 2003 com a inclusão no curso de formação de soldados em Rio Pardo. Após fui lotada em Santa Cruz do Sul onde iniciei o curso de direito na Universidade de Santa Cruz do Sul e a construção da minha família. Casei com um colega de profissão que conheci no curso de formação, o tenente Savian, e juntos crescemos na carreira e formamos a família com um lindo casal de filhos, o João Álvaro, de 17 anos, e a Júlia, de 14 anos. Concluí o curso de Direito em 2010 e após intensifiquei os estudos para o concurso de capitão, obtendo a aprovação em 2012. Após dois anos em Porto Alegre frequentando a Academia de Polícia Militar, fui promovida ao Posto de capitão.
A partir de 2015, comecei a trabalhar em Sobradinho que tem abrangência de outros oito municípios, onde permaneci por oito meses. Foi nesse período que encontrei o maior desafio da minha profissão, o convite do coronel Marcio Rosa da Luz para coordenar a maior turma de soldados formados em um único curso na história da Brigada Militar, na Escola de Formação de Montenegro. Foram 398 soldados formados ao final de longo 11 meses, o que demandou muito trabalho da equipe de coordenação.
Finalizada essa etapa em 2017, assumi o comandado da Brigada Militar de Venâncio Aires, onde permaneço até hoje. A companhia de Venâncio Aires possui a responsabilidade por mais sete municípios, além de Venâncio Aires ser uma cidade com grande capacidade de desenvolvimento, com inúmeras demandas, possui um Presídio Estadual, área territorial extensa e 40% da população no interior, o que acaba por requerer muita atenção e estratégias de policiamento.
Nossa profissão não tem rotina. Embora tenhamos alguns trabalhos que ensejam os mesmos procedimentos, nunca o fato e as circunstâncias são iguais. Mas, o desafio maior é trabalhar com a aceitação da perda de colegas, alguns muitos jovens.
Um momento que marcou minha carreira, não tenho dúvidas que foi trabalhar numa escola de formação, um local de aprendizado mútuo e de crescimento pessoal e profissional, para discentes e docentes. Apresentar às pessoas oriundas do meio civil o militarismo, com regras de hierarquia e disciplina não é um trabalho fácil, pois são pessoas criadas em ambientes distintos, com comportamentos também diferentes, e no militarismo não há distinções, a formação zela pela camaradagem, o espírito de corpo, os valores, a ética, a transparência, o amor à verdade e à instituição.
Assim como na sociedade civil, a mulher ao longo dos anos vem conquistando espaço na área da segurança pública. Na Brigada Militar não é diferente, pois a primeira turma ingressou em 1986. Na minha concepção, a representação feminina não pode ser restrita ao gênero, mas, sim, às capacidades técnicas que a função exige, independentemente da área. Hoje, a presença da mulher é marcante e mostra sua capacidade, e ainda fazem história, como a capitão Mariana, minha colega de turma, primeira mulher piloto na Brigada Militar, em pleno século XXI, em uma instituição que completará 185 anos em 2022. A Brigada Militar possui espaço para profissionais que desejam servir à sociedade ‘mesmo com o risco da própria vida’, conforme juramento, portanto há lugar para homens e mulheres, desde de que com ideais em comum de bem servir à sociedade.”