A eleição do senhor Jair Bolsonaro à Presidência da República ocorreu em um momento muito particular da história brasileira. O descrédito de nosso sistema político, evidenciado pela Lava Jato, e a desmoralização do PT, envolvido pela corrupção, incapaz de acertar contas com os responsáveis e de se desculpar com a nação, formaram o clima ideal para a ascensão da extrema direita. O fato dos partidos de esquerda não terem construído uma agenda de reformas políticas e institucionais quando tinham poder para tanto, preferindo governar por programas e em aliança com o que havia de pior na política, reforçou o ceticismo. A irresponsável tática eleitoral do lulopetismo, que nunca desejou uma frente democrática antifascista e que, pelo contrário, tudo fez para inviabilizar a candidatura de Ciro Gomes, a mais apta a agregar uma frente dessa natureza no 2º turno, somado à ausência de políticas de segurança efetivas, ao medo disseminado e à constituição de um mundo paralelo de informações agressivas e absurdamente falsas, agenciado, notadamente, pelo WhatsApp, colocaram o Brasil no colo do mais despreparado e perigoso político de nossa história republicana.
Passados seis meses de governo, o que temos é um conjunto de atos governamentais desatinados e de declarações ridículas e ofensivas do presidente e de vários dos seus ministros que configuram ameaças inéditas, além da ausência de medidas capazes de retirar a economia da estagnação e de reduzir o desemprego que já atinge 14 milhões de brasileiros. Como se não bastasse, o governo manifesta enorme disposição em desconstituir as garantias elementares e as parcas conquistas sociais e trabalhistas asseguradas pela democracia; ataca a imprensa e promove a censura; desconstitui espetacularmente o sistema de proteção ambiental, o que já assegura índices recordes de desmatamento na Amazônia, que simplifica o regime de outorga da lavra garimpeira e inunda o campo – logo, nossa mesa – com 290 novos registros de agrotóxicos, agora reclassificados com rotulagem amena; liquida com a pesquisa e submete as universidades a um controle que sequer a ditadura militar ousou e que irá implicar, inclusive, na nomeação de pró-reitores pela Casa Civil. Enquanto isso, o presidente articula a indicação do filho – que já fritou hambúrgueres – para a embaixada nos EUA. Alguma surpresa?
Ameaçado pelas denúncias de corrupção que atingem diretamente o senador Flávio Bolsonaro e o PSL, o partido da “nova política” e do antigo laranjal, o governo busca no STF a blindagem necessária, encontrando – triste ironia – a proteção almejada em ato do ministro Toffoli que, na prática, liquida com o COAF, fere de morte a Lava Jato e favorece bandidos ricos que vinham sendo investigados precisamente por conta de movimentações financeiras suspeitas. Tudo isso, assinale-se, sob o silêncio eloquente do senhor Sérgio Moro e do bolsonarismo, uma espécie de nova religião fundamentalista promovida pelo deus mercado que irá tensionar o país até o limite da ruptura com a democracia, para alegria geral dos tigres.
Marcos Rolim – Doutor e mestre em Sociologia e jornalista. Professor do mestrado em Direitos Humanos da UniRitter e presidente do Instituto Cidade Segura. – [email protected]